TRIBO FORTE #056 – VEREDITO SOBRE ÓLEO DE COCO E DISCUSSÕES SOBRE MÁ CIÊNCIA

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No Episódio De Hoje:

O óleo de côco ganhou bastante atenção ultimamente na mídia e também claro, mais má ciência sempre acha um lugar de divulgação. No episódio de hoje, veremos:

  • A associação brasileira de nutrologia (ABRAN) se posicionou oficialmente sobre o óleo de côco e nós não poderiamos deixar de falar sobre isso também.
  • Análise de má ciência e fortalecimento do ceticismo inteligente.

Espero que aproveite este episódio ?

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Referências do Episódio

Posicionamento da ABRAN sobre óleo de coco

Ensaio clínico randomizado que testou substituir gordura saturada por óleo vegetal

Estudos mostrando a falta de associação entre gorduras saturadas e problemas cardíacos:

“Insufficient evidence of association is present for intake of … saturated or polyunsaturated fatty acids; total fat … meat, eggs and milk.”
 Mente A, et al. A systematic review of the evidence supporting a causal link between dietary factors and coronary heart disease. Arch Intern Med. 2009 Apr 13;169(7):659-69.

Conclusions Saturated fats are not associated with all cause mortality, CVD, CHD, ischemic stroke, or type 2 diabetes, but the evidence is heterogeneous with methodological limitations. Trans fats are associated with all cause mortality, total CHD, and CHD mortality, 
http://www.bmj.com/content/351/bmj.h3978 

49 estudos observacionais e 27 ensaios clinicos randomizados: Current evidence does not clearly support cardiovascular guidelines that encourage high consumption of polyunsaturated fatty acids and low consumption of total saturated fats.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24723079

“…no significant evidence for concluding that dietary saturated fat is associated with an increased risk of CHD or CVD.”
Siri-Tarino PW, et al. Meta-analysis of prospective cohort studies evaluating the association of saturated fat with cardiovascular disease. Am J Clin Nutr. 2010 Mar;91(3):535-46. 

Transcrição do Episódio

Rodrigo Polesso: Bom dia, boa tarde para você. Você está ouvindo o podcast número 56 da Tribo Forte, o podcast número 1 em saúde. Hoje quero começar lendo um testemunho que recebemos. Acho que no final do dia é por isso que fazemos o que fazemos. A Cris compartilhou isso no fórum da Tribo forte. Ela é membro da Tribo Forte. Ela compartilhou o seguinte: “Bom dia. Estou escrevendo para contar meus resultados – resultados esses nunca antes conquistados. De abril a outubro do ano passado eu fazia acompanhamento com uma nutricionista para ganho de massa magra. Eu sou muito disciplinada e fazia tudo bem certinho. A minha decepção após 6 meses foi grande. Houve redução do percentual de gordura, mas aumentou novamente. Resumindo: meu peso estava em 70 quilos e meu percentual de gordura em 33, quase igual de quando comecei com ela. Eu tenho 1,72, mas ainda assim achava que era muito alto para mim. Descobri o Dr. Souto e, consequentemente, o podcast da Tribo Forte. Escutei todos. Até responderam uma pergunta minha no podcast 38. Adorei! Comecei com low carb e jejum intermitente. Eu fiz sozinha, escutando meu corpo e minha fome, usando e abusando de alimentação forte, que virou um estilo de vida. Não faço 100%, algo em torno de 90/10. Entendi os preceitos e internalizei os conceitos que são minha rotina hoje. Sem dificuldade – muito pelo contrário, com grande alegria. No começo desse mês eu voltei na mesma nutricionista para fazer uma avaliação por ela ter as minhas medidas registradas. Eu sabia que havia emagrecido, porém não sabia quanto de massa magra. Achava que havia perdido. Não foi para minha surpresa… Meu percentual de gordura de 33 foi para 26%. Eu emagreci 5,9 quilos de gordura e ganhei 3 quilos de massa magra. Eu faço exercícios todos os dias, bike e musculação. Nunca antes na história eu havia conseguido tal feito. Me alimento muito bem com a alimentação forte, escuto meu corpo, respeito minha fome, tenho disposição… Enfim, estou muito bem. Agradeço de coração ao Dr. Souto e ao Rodrigo pelas orientações, dicas e comprometimento conosco. Grande abraço, Cris.” Muito bacana. Só queria ler para começar em alto astral o nosso podcast de hoje. Tudo tranquilo por aí, Dr. Souto?

Dr. Souto: Tudo bem, Rodrigo. Bom dia e bom dia aos ouvintes. Realmente, é para começar em alto astral. É isso que faz a gente ter vontade de continuar, gravar em horários alternativos, feriados, fins de semana. Dá muito prazer esse retorno.

Rodrigo Polesso: Muito bom mesmo. Hoje falaremos de dois assuntos principalmente. O primeiro deles será sobre óleo de coco. Ele apareceu na mídia por causa de um posicionamento oficial da Associação Brasileira de Nutrologia. Comentaremos sobre o artigo oficial que eles publicaram. Vamos comentar sobre onde, na nossa opinião, eles acertarem e onde está fraco o argumento. Falaremos sobre o óleo de coco. Também faremos uma análise crítica de má ciência, novamente, e fortalecimento do ceticismo inteligente com duas coisas interessantes que quero mencionar mais para frente. Acho que podemos começar com a questão do óleo de coco. Eu recebi de vários lugares essa sugestão para falarmos disso no podcast. O pessoal está alerta sobre esse tipo de coisa. O título do artigo da Associação Brasileira de Nutrologia é o seguinte: “Posicionamento oficial da Associação Brasileira de Nutrologia a respeito da prescrição de óleo de coco”. Vamos analisar o título. Dr. Souto, o que que tem de errado com o título?

Dr. Souto: Eu estava conversando com o Rodrigo um pouco mais cedo… Quando eu abri esse artigo a primeira coisa que me chamou a atenção foi a palavra “prescrição”. Prescrição, para mim, normalmente significa prescrever um tratamento, um remédio. Eu não me imagine comprando óleo de coco numa farmácia. É comida. Nós estamos falando sobre um alimento, uma coisa culinária para ser adquirida no supermercado. Mas eu entendo o que a Abran quis colocar. Eles talvez tenham escolhido essa palavra de propósito. “Prescrição” no sentido de fazer sentido prescrever. Você vai usar como suplemento o óleo de coco. Em termos de alimentação forte e low carb, nós mencionamos o óleo de coco como um ingrediente culinário. Ninguém nunca precisou de médico, nutricionista ou farmácia para usar um negócio para fazer comida. Não confundam o uso dessas coisas na forma de suplemento… Nos aprofundaremos um pouco nesse assunto e o uso culinário. É um ingrediente culinário tradicional. Quando você vai num restaurante tailandês e vai comer aquela gordura que tem leite de coco e óleo de coco… Nenhum farmacêutico forneceu aquilo para a cozinha. “Prescrição sempre vai me causar um estranhamento quando o objeto da frase é comida.

Rodrigo Polesso: Eu até concordo com o posicionamento dele, porque tem muita gente por aí que acaba se apegando à mágica ou pensamento supersticioso e acaba prescrevendo achando que o óleo de coco tem um poder mágico por si só. É por isso que a gente vai discutir os outros pontos em seguida aqui. A Abran falou vários pontos, então vamos discutir para ver o que faz sentido e o que não faz. Começando com o primeiro, que talvez seja um dos mais controversos. Vou ler o que eles escreveram e dar meu pitaco para começar a discussão. Eles falaram o seguinte: “Considerando-se que o óleo de coco tem sido divulgado, especialmente na imprensa leiga, como integrante de uma dieta preventiva para doenças crônicas, como quadros neuro-degenerativos, obesidade e dislipidemia, bem como para outras funções tais como imunomodulação e tratamento antimicrobiano, a Associação Brasileira de Nutrologia considera que deve se posicionar sobre o assunto. Quando o óleo de coco é comparado a óleos vegetais menos ricos em ácido graxo saturado, recente revisão mostrou que ele aumenta o colesterol total (particularmente o LDL-colesterol) o que contribui para um maior risco cardiovascular.” Primeiro, eles estão assumindo que o colesterol causa problemas cardíacos – argumento totalmente falso, como foi mostrado incontáveis vezes. Inclusive foi mostrado por uma análise de 136 mil pacientes em 2009, que concluiu que quase da metade dos pacientes que foram hospitalizados com problemas cardíacos tinham o LDL normal ou baixo. Depois, tem uma revisão de ensaios clínicos randomizados que já testaram a substituição de gorduras saturadas por óleo vegetal, publicada em 2016 no conceituado British Journal of Medicine. A conclusão foi que substituir gordura saturada na dieta por óleos vegetais efetivamente abaixou o colesterol, mas isso não suporta a hipótese que isso se traduz em um menor risco de morte por doenças cardiovasculares ou de todas as causas. Essa é aquela velha questão do desfecho imediato ou desfecho duro. Acho que eles estão confundindo as coisas assumindo coisas que não são fatos.

Dr. Souto: Eu não iria tão longe em dizer que o colesterol não tem nenhuma relação com doença cardiovascular. O que podemos dizer é que manipulações de dieta com fins de mudar os valores de colesterol e, com isso, obter redução de doença cardiovascular… Isso nunca foi demonstrado. Aliás, foi refutado inúmeras vezes. E tem várias metanálises sobre isso. Não tem estudos mostrando que a redução de gordura saturada na dieta aumente a mortalidade cardiovascular ou a mortalidade por todas as causas. Teve uma metanálise entre as várias que foram feitas, que mostrou um aumento da incidência… Um muito pequeno da incidência de doença cardiovascular, mas não um aumento de mortalidade, no grupo que estava consumindo mais gordura saturada na dieta. Era gordura saturada como um todo e não óleo de coco especificamente. Só que esta metanálise da Cochrane não incluía o maior ensaio clínico randomizado que já foi feito especificamente sobre esse assunto. Não incluía porque ele não havia sido publicado ainda na literatura, que foi aquele de Ramsden. Ele recuperou dados dos anos 70. Ele é famoso e já citamos várias vezes aqui. Pacientes foram randomizados entre óleo de milho e manteiga. O grupo do óleo de milho teve o colesterol significativamente mais baixo do que o grupo da manteiga, porém morreu significativamente mais do que o grupo da manteiga. Aí entra esse assunto que você falou, Rodrigo. É a famosa questão do desfecho substituto versus o desfecho concreto. O que me interessa não é qual óleo que vai aumentar um pouco mais ou menos meu LDL. Como nós acabamos de dizer, temos vários estudos mostrando que há uma desconexão completa entre os efeitos que esses alimentos têm nos valores do LDL (colesterol) e os efeitos que eles têm naquilo que realmente importa, que é o momento em que você vai para seu caixão. É na mortalidade em que temos que focar, que é um desfecho concreto. O colesterol é um desfecho substituto. Quem for da área da saúde, eu recomendo que pesquise na internet este editorial chamado “The Idolatry of the Surrogate” – ou seja a idolatria do desfecho substituto. É exatamente o que está sendo feito aqui. O pessoal está focando as atenções exclusivamente no desfecho substituto, que neste caso é o LDL. O único motivo pelo qual alguém se preocuparia com o efeito do óleo de coco sobre seu LDL, é se isso fosse ter um impacto na chance de eu ter um evento cardiovascular nos próximos 10 anos. Acontece que os estudos que avaliaram os desfechos concretos (infarto e morte) não mostram isso. O fato de que usar o óleo de coco para cozinhar possa ter impacto numa elevação do LDL não é motivo para não usá-lo. Precisaria eu ter evidências de que isso realmente está aumentando desfechos concretos ruins. As evidências que nós temos são no sentido de refutar isso. Outra coisa interessante é que a referência número três que é citada… Ela diz: “Óleo de coco geralmente eleva o colesterol total e o LDL mais do que os óleos insaturados de planta, mas menos do que a manteiga.” Se o argumento fosse baseado nisso, eles deveriam estar criticando ainda mais a manteiga. No entanto, é justamente para a manteiga que nós temos ensaio clínico randomizado com desfecho concreto mostrando que se morre menos com manteiga do que com óleo de milho. No início desse estudo já tem essa grande contradição. Depois, olhe que interessante… O efeito do consumo do óleo de coco na razão entre colesterol total em relação ao HDL (colesterol total dividido por HDL) frequentemente não é examinada. No entanto, quando vamos dentro do texto do estudo, os poucos estudos que analisaram isso verificaram que não afetou de forma adversa essa relação. Ou seja o óleo de coco aumenta o colesterol total, mas aumenta o HDL também. Como a relação colesterol total dividida por HDL tem um poder preditível indubitavelmente maior do que o colesterol total ou LDL isoladamente, este é mais um motivo para dizer que não afeta de forma adversa. A própria afirmação de que o óleo de coco afeta de forma adversa o perfil lipídico… Na minha opinião é questionável. Tende a não afetar de forma adversa a relação de colesterol total sobre HDL. Vou ler o que diz o texto da Abran: “Quando o óleo de coco é comparado a óleos vegetais, recente revisão mostrou que ele aumenta o colesterol total (particularmente o LDL-colesterol).” Isso não é verdade. O que a revisão mostra é que aumenta o LDL e o HDL, tanto que a relação não muda. “O que contribui para um maior risco cardiovascular.” Essa parte não pode ser afirmada. E eu diria que à luz da minha leitura literatura atual, as metanálises e especialmente esse estudo de Ramsden no BMJ mostram que não há uma relação entre as flutuações de colesterol de LDL provocadas pela dieta e desfecho duro, que é risco cardiovascular.

Rodrigo Polesso: Sem considerar a ideia de que… O óleo de coco… que é basicamente o coco exprimido… Pode te matar de problema cardíaco e um óleo que tem que passar por um processo industrial bizarro (como o óleo de milho) vai fazer bem. Só para colocar sob perspectiva essa análise ancestral sobre comida de verdade. Uma coisa é uma comida de verdade e outra coisa é uma aberração industrial.

Dr. Souto: Eu de novo estou olhando na minha frente para a referência número 3, que é esta utilizada para justificar. Isso já está no resumo. “Evidência observacional sugere que o consumo de óleo de coco no contexto dos padrões dietéticos tradicionais não leva a desfechos cardiovasculares adversos.” É observacional, mas vamos lembrar sempre o que a gente diz para o pessoal. Se o estudo observacional mostrasse que as pessoas que comem mais óleo de coco têm um risco cardiovascular maior, isso não provaria que o óleo de coco causa doença cardiovascular. Mas o fato de que estudos observacionais mostrarem que populações que consomem grande quantidade de óleo de coco não têm um risco cardiovascular aumentado, essencialmente refuta a ideia de que o óleo de coco possa causar a doença cardiovascular. É sempre a mesma coisa, mas é bom revisar todos os podcasts porque daqui vocês vão ficando craques nesse tipo de raciocínio. Os ensaios clínicos randomizados não usaram óleo de coco, usaram manteiga – que, segundo a revisão, tem um efeito mais adverso no perfil lipídico. Se a manteiga, que eleva mais o colesterol do que o óleo de coco diminui o risco cardiovascular quando comparada com o óleo de milho (que baixa o colesterol) que dirá o óleo de coco, que aumenta menos o colesterol do que a manteiga e cujos estudos observacionais não veem relação com doença cardiovascular.

Rodrigo Polesso: Isso assumindo que o colesterol é um grande vilão. Na minha opinião, eu acho isso muito questionável.

Dr. Souto: Muito questionável. Vou aproveitar essa abertura que você me deu e comentar. O pessoal da área médica deve ter visto… E talvez os outros também, porque houve notícias principalmente na mídia em inglês. Na semana passada saiu o resultado de um grande estudo ensaio clínico randomizado de uma droga chamada Rapata. Evolocumab, se não em engano. Esse remédio baixa o LDL para níveis nunca antes vistos. Ele é capaz de baixar o LDL para menos de 30. O que deveria, segundo a teoria lipídica da doença cardiovascular, provocar praticamente a abolição da doença cardíaca. É um ensaio clínico poderoso, são 27 mil pacientes. Era só gente de alto risco. Prevenção secundária, gente que já tinha doença coronariana. Todos já estavam usando Estatinas. Mas a metade usou essa droga, que é uma droga injetável que custa 1.400 dólares por mês versus placebo na outra metade. Ao final de 2 anos e pouco, que foi a duração do estudo (um estudo curto) o estudo mostrou que a mortalidade foi exatamente igual nos dois grupos. Tanto a mortalidade total quanto a cardiovascular… Inclusive a mortalidade foi um pouco maior, numericamente falando, no grupo que usou remédio, e não no placebo. Eles fizeram um desfecho composto que era o seguinte… Incluía não só mortalidade, mas eventos cardiovasculares como necessidade de hospitalização, necessidade de cateterismo, necessidade de angiografia, dor no peito… Incluíram um pupurri de coisas. Nesse pupurri deu uma redução de 15% nesse conjunto total de coisas. 15% de risco relativo no grupo que tomou remédio. Você acha que o estudo foi anunciado como fracasso ou sucesso?

Rodrigo Polesso: Eu não consigo entender como, mas provavelmente foi um sucesso.

Dr. Souto: Foi anunciado como um sucesso retumbante, porque houve uma redução de 15% na incidência de eventos cardiovasculares no grupo que tomou o remédio. Era gente que já estava usando Estatina, então reduziu mais ainda. Mas a mortalidade não mudou. Esses outros desfechos secundários que eles espertamente utilizaram como se fosse o desfecho primário… Coisas como necessidade de hospitalização, necessidade de colocar um stent… Como o estudo teoricamente é duplo cego… Um grupo está usando remédio e o outro não e o médico não tem como saber quem está usando o que… Mas como não existe LDL tão baixo, o estudo não era duplo cego. O médico já sabia quem estava usando o remédio. Ele tinha uma chance muito maior de indicar um cateterismo ou um stent para aquele que tinha um colesterol mais alto. No que realmente importa… Naquilo que é insofismável, que é morte, não só não houve diferença… Não foi estatisticamente diferente, mas numericamente teve um pouco mais de morte no grupo que usou o remédio do que no placebo. Isso no mínimo faz a gente botar a mão na cabeça e pensar: “Poxa vida, até que ponto o colesterol é realmente tão importante assim na doença cardiovascular se o remédio que mais baixou o colesterol na história da medicina não conseguiu reduzir a mortalidade cardiovascular?”

Rodrigo Polesso: Eu acho um absurdo e há muito tempo venho falando isso. Estamos olhando para o lugar errado há muito tempo. Eu acho um absurdo continuar focando em colesterol. Isso é ridículo ao meu ver.

Dr. Souto: Mas enfim… Esse tópico da Abran de fato… O óleo de coco é uma gordura saturada, pode aumentar um pouco o colesterol, mas ele aumenta o HDL também e o foco que estão dando é só num desfecho substituto. A minha opinião e a opinião do Rodrigo é que os desfechos concretos mostram outra história.

Rodrigo Polesso: Estatisticamente… Metade do pessoal que tem problema cardíaco que é hospitalizado tem o LDL normal ou baixo.

Dr. Souto: Sem contar que se o óleo de coco não existisse isso não mudaria nada na minha vida e nem no tipo de intervenção dietética que nós propomos aqui.

Rodrigo Polesso: Exatamente. Vamos seguir em frente. Esse ponto está martelado. Não tem o que falar. Outro argumento do artigo da Abran é o seguinte: “Até o momento, não existem estudos clínicos que tenham abordado o efeito de óleo de coco na função cerebral de indivíduos saudáveis ou portadores de alteração cognitiva. Enfatiza-se também que não existem evidências clínicas de que o óleo de coco possa proteger ou atenuar doenças neuro-degenerativas, como a doença de Alzheimer.” Beleza. Mas tem uma coisa que eu quero dizer. Numa coferência recente que eu fui, a Metabolic Therapeutics, na Flórida, o assunto todo da conferência foi a dieta cetogênica. A Mary Newport citou um caso específico do óleo de coco. Ela tinha o marido com Alzheimer. É um caso bastante famoso. Ela começou a usar o óleo de coco como suplemento para o marido dela. Com somente isso ela já notou uma alteração muito positiva no Alzheimer do marido dela. Quem tiver curiosidade sobre esse assunto em particular pode ir lá. Não é um estudo randomizado, mas sim um caso de estudo dela. Também tem o Eric Kossoff que estuda muito bem essa questão de dieta cetogênica. Tem também o Dominic D’Agostino que estuda isso. A dieta cetogênica vem sendo usada contra epilepsia, por exemplo, por mais de 100 anos. E epilepsia é uma coisa que acontece no cérebro. Aproximadamente 50% do óleo de coco é o óleo MCT, que é convertido facilmente em corpos cetônicos. O ácido láurico (C12) do óleo de coco não é convertido facilmente em corpos cetônicos, mas estimula a produção natural do corpo de corpo cetônicos. Estamos vendo resultados empíricos do poder dos corpos cetônicos em amenizar uma série de problemas mentais, inclusive Parkinson, Alzheimer e epilepsia há mais de 100 anos, como estamos vendo aqui. Não tenho estudos para citar aqui. Mas ignorar todas essas evidências é meio arriscado na minha opinião.

Dr. Souto: O fato de que vários estudos sugerem que uma dieta cetogênica possa sim melhorar o padrão cognitivo de pacientes, especialmente num estágio inicial de síndromes demenciais (Alzheimer incluído) é uma coisa inegável. Há uma séria de estudos nesse sentido. Acho que é uma área que está em sua infância. Realmente faltam grandes ensaios clínicos randomizados. Mas se o óleo de coco não existisse… Se a planta coco não existisse na Terra… Não mudaria em nenhum pingo essa discussão. Nesse sentido, acho que a Abran pegou bem. Talvez o pessoal esteja achando, ingenuamente, que somente usar o óleo de coco vai melhorar seu poder cerebral e resolver os problemas do Alzheimer. Acho isso ingênuo. Uma dieta cetogênica eventualmente pode ajudar. Me parece que já há um corpo de pesquisa suficiente nesse sentido. O óleo de coco é especialmente interessante dentro de uma dieta cetogênica por ter triglicerídeos de cadeia média; favorece a cetose. Cetose essa que não é necessária para a perda de peso. “Será que seu comer não sei o que vou sair da cetose?” Não estou nem aí se você vai sair da cetose.

Rodrigo Polesso: É o mesmo crime de “quebrar o jejum”.

Dr. Souto: É na mesma linha do crime do jejum. “Será que respirar ar poluído vai quebrar o jejum?” Acho que a Abra pegou certo nisso. Se o objetivo é prescrever o óleo de coco como remédio… Isso vai melhorar o cérebro de alguém? Não. O óleo de coco é comida, a gente não prescreve. Se você gosta do gosto de óleo de coco… Acha que combina com peixe e quer usar para fazer comida, é uma coisa válida. Já gastamos um bom tempo do podcast explicando porque não tem problema usar. A interface do óleo de coco e qualquer coisa do ponto de vista neurológico está no fato de que o óleo de coco casa bem com uma dieta cetogênica. Se você acredita que uma dieta cetogênica possa ser interessante para um problema neurodegenerativo, trabalho junto com seu profissional de saúde, se ele concordar… Agrega na equipe multidisciplinar um nutricionista com experiência em dieta cetogênica. O óleo de coco com certeza tem um papel a cumprir na dieta cetogênica. Mas, se coco não existisse, a dieta cetogênica poderia ser feita igual.

Rodrigo Polesso: Iria existir da mesma forma. Para quem quiser investigar um pouco… Não quer esperar um ensaio clínico randomizado e quer ver se alguma coisa pode ajudar… Eu sugiro dar uma olhada no trabalho da Mary Newport. Ela foi muito específica. Ela começou com o marido com um estado de Alzheimer bastante ruim e ela foi dar para ele óleo de coco. Foi basicamente a única alteração. É um estudo de caso. Se você quiser se elucidar um pouco mais sobre esse assunto, talvez seja legal. Mary Newport… Ela é bastante famosa nesse ramo.

Dr. Souto: Se a gente entrar no mundo da especulação… Eu acho que é muito provável que haja benefícios de dietas cetogênicas. Os triglicerídeos de cadeia média efetivamente permitem atingir um certo nível de cetose com uma dieta muito menos restrita. Essa foi a ideia da Mary Newport. Pegar um paciente que já é uma pessoa demenciada… Tem uma dificuldade de compreensão… Que vai dificuldade em entender porque não poderá comer determinadas coisas que ela quer… Uma dieta cetogênica pura, sem ajuda dos triglicerídeos de cadeia média, sem ajuda do óleo de coco para aumentar a cetose… Pode ser difícil nessas circunstâncias. Mas não é simplesmente assim… Você come hambúrguer e milk shake, mas se você comer hambúrguer e tomar milk shake e tomar cápsulas de óleo de coco isso vai melhorar seu cérebro. Isso é tolice. Se a pessoa fizer uma dieta restrita em carboidratos, porém não tão restrita como seria uma dieta cetogênica clássica, e usar o óleo de coco como um biohack para aumentar a cetose e ver se isso pode melhorar sua performance cognitiva… Medida pelo neurologista com testes padronizados antes e depois da intervenção… Isso é super válido. Deu para entender a sutileza. Na forma como eles colocaram… “Até o momento, não existem estudos clínicos que tenham abordado o efeito de óleo de coco na função cerebral.” De fato os estudos que existem são sobre a dieta cetogênica na função cerebral. Mas o óleo de coco se encaixa bem nessa ideia da cetose.

Rodrigo Polesso: O posicionamento eu não discordo. Acho que foi um posicionamento correto em evidências. Um pouco conservador, mas correto, não discordo. Vamos ir para o ponto número quatro em que eles falam o seguinte: “Um número muito pequeno de estudos, com resultados controversos, tem relatado os efeitos do óleo de coco sobre o peso corporal em seres humanos.” Ou seja, o pessoal que usa o óleo de coco com a esperança de emagrecer. Não tem nada que você possa comer em adição de calorias que vai fazer você perder peso. Seria uma disfunção cognitiva imaginar que a adição de alguma coisa fará você perder outra coisa. Novamente… Vamos deixar de sermos bitolados… Não somos cavalos com tapas nos olhos que só podemos olhar para frente. Existem incontáveis ensaios clínicos randomizados mostrando as vantagens inegáveis de uma alimentação low carb high fat para o emagrecimento e saúde. O que é o óleo de coco? É gordura. É uma gordura natural. Tem mais evidência para suportar que o óleo de coco, por ser uma gordura, é um colaborador do que evidência para suportar o contrário disso.

Dr. Souto: No contexto de uma dieta low carb. Acho que é defensável isso que eles estão falando. Boa parte das pessoas no mundo afora que não ouvem esse podcast é assim… “Ouvi falar que óleo de coco emagrece.” Aí eles comem massa, pão e suplementa com óleo de coco. O que provavelmente vai acontecer? Estou agregando uma gordura que não está num contexto de comida de verdade. Não estou comendo coco. Estou agregando a gordura refinada do coco num contexto de uma dieta de alto carboidrato. É um desastre. No entanto, é bom salientar o seguinte. Existe um pequeno ensaio clínico randomizado que foi feito no Brasil e publicado numa revista estrangeira que mostrou que mulheres que estavam fazendo uma dieta levemente hipocalórica… Mas um grupo usou óleo de coco e o outro grupo não. E aquelas que fizeram a dieta hipocalórica com óleo de coco perderam mais medidas do que as que fizeram sem óleo de coco. É interessante. Isso mostra, mais uma vez, que não é uma gordura ruim para se usar num contexto de uma dieta low carb. Mas não como suplemento.

Rodrigo Polesso: Não como suplemento. Esse que é o problema. É a busca pelo alimento mágico, que as pessoas não conseguem aceitar que não existe.

Dr. Souto: É aquele pensamento mágico. “Se eu botar o óleo de coco no meu café, eu vou emagrecer, mais do que eu tomasse o café sem ele!” Não, pessoal. A única situação em que isso seria aceitável é a seguinte. A pessoa resolve fazer um jejum intermitente, de modo que ela vai fazer 16 horas de jejum. Ela vai almoçar, jantar e não vai tomar café da manhã. No café da manhã ela vai tomar só um café preto, que não tem calorias e está dentro do jejum. No entanto, ela sente fome de manhã. Isso é variável. Tem gente que sente fome de manhã e tem gente que não sente. Ela pensa assim: “Vou tomar um café com óleo de coco de manhã como uma alternativa em vez de comer uma refeição.” Aí pode ser interessante. Aqueles triglicerídeos de cadeia média… Isso é uma questão de bioquímica… É difícil eles serem armazenados nos adipostos. Por serem de cadeia média, eles tendem a ser queimados como fonte de energia. Ele são mais cetogênicos. Os corpos cetônicos tendem a inibir o apetite. Então, fazendo isso a pessoa pode não ter fome de manhã e estará consumindo menos calorias de manhã do que se tivesse comido uma refeição de manhã. Essa é uma estratégia que dá para fazer. Mas a ideia de que o óleo de coco acrescentado à dieta vai de alguma forma fazer com que eu emagreça… É pensamento mágico.

Rodrigo Polesso: Acho que é bom até enfatizar essa questão, porque é muito importante. O óleo de coco, no sentido de ser um suplemento… É um absurdo que ele vai solucionar seus problemas. Mas no contexto de você usar o óleo de coco como substituto de donuts, panquecas ou de pão no café da manhã… Substituir as calorias desses alimentos que sabemos que têm um impacto metabólico negativo pelo óleo de coco que sabemos que não tem um impacto metabólico negativo… Nesse contexto pode ser uma ótima escolha. Estamos substituindo calorias e deixando de comer outras calorias no lugar. Essa substituição é uma coisa saudável. Isso pode fazer a diferença. Mas jamais a pílula do alimento mágico. Você tem que quebrar essa ideia.

Dr. Souto: Quando você está fazendo uma dieta low carb, você perde peso pelos carboidratos que você retirou, não pelo óleo de coco que você adicionou. Se o coco não existisse, você faria dieta low carb e perderia peso igual. Aliás, mais, dependendo da quantidade de óleo de coco que a pessoa resolver acrescentar como suplemento. O óleo de coco é uma boa gordura culinária. Me lembrei de um negócio. Desfecho substituto por desfecho substituto cada um pode escolher o seu. O pessoal da Abran pegou como desfecho substituto favorito o LDL. “O óleo de coco é ruim porque ele aumenta o LDL.” Mas eu posso escolher outro desfecho substituto, como produtos avançados de glicação ou então coisas policíclicas aromáticas… Ou gordura trans, por exemplo. Se eu pegar essas coisas que eu falei, em todas essas o óleo de coco é muito superior a praticamente qualquer outra gordura que eu vá utilizar para cozinhar. Se eu pegar os óleos vegetais poliinsaturados e aquecer, eu vou gerar compostos tóxicos, aldeídos, gorduras trans, mais produtos de oxidação. Todos eles estão associados a efeitos adversos, ao aumento de resistência à insulina, doença cardiovascular, diabetes, doenças neurológicas… Um catatau de coisas ruins. Será que o óleo de coco vai aumentar meu risco de adoecer porque aumenta meu LDL, ou vai diminuir meu risco de adoecer porque diminui essas coisas? Esse é o problema no foco nos desfechos substitutos. O desfecho substituto não é o que importa. O que importa é o desfecho concreto. Quero saber se meu risco de morrer é maior em 20 anos consumindo isso ou não. A resposta é: estudos prospectivos e randomizados com óleo de coco não tem. Mas os estudos observacionais com óleo de coco tendem a mostrar populações mais saudáveis. Isso já refuta, de certa forma, a hipótese de causalidade no sentido de coisa ruim. Se causasse coisas ruins, deveria estar associado a coisas ruins nos observacionais. Imagine que eu fabrique escadas. Eu sou um fabricante de escadas pré-moldadas para construção. Eu vou citar os estudos dos cardiologistas que falam que é melhor pegar escada do que elevador. Agora imagina que eu fabrico elevadores. Aí vou citar os estudos dos ortopedistas que dizem que escada faz mal ao joelho. A gente tem que ter um pouco de crítica. Na realidade, dependendo do que eu quero, eu posso escolher desfechos substitutos para qualquer coisa. Eu não tenho evidências de que o óleo de coco produza desfechos ruins do ponto de vista cardiovascular. Eu tenho somente a evidência em um dos desfechos substitutos que é LDL – que provavelmente é o menos importante deles, porque se eu for usar colesterol total dividido por HDL (que tem um poder preditivo muito maior), o óleo de coco não afeta de forma adversa. Mas a principal mensagem que eu queria deixar é a seguinte. Eu não preciso usar óleo de coco. Eu particularmente uso muito pouco. Eu só gosto do sabor do óleo de coco no peixe. É uma questão de paladar. Para mim tanto faz. Ele é simplesmente mais um dos ingredientes. É como eu decidir se vou botar pimenta ou não no prato… É como decidir botar limão ou não no prato… É como decidir se vou botar óleo de coco ou não no prato. É muito fuzuê por nada. Ele é simplesmente mais um ingrediente culinário que a gente pode usar. Casualmente, como ele é uma gordura, ele pode ser usado numa dieta low carb. Se ele fosse um açúcar, eu não usaria… Sendo considerado bom ou mágico, porque é um açúcar.

Rodrigo Polesso: Exato. Eu uso bastante o óleo de coco. Gosto bastante do gosto. Acredito que seja uma gordura superior em comparação às suas alternativas. Mas não é um alimento mágico, como estamos vendo. Se fosse mágico as populações da polinésia não seriam tão gordas, já que eles têm tanta abundância de coco e são bastante obesos. Mas o ponto em que eles pisam na bola de uma forma mais enfática é bom no final, quando acabam de mencionar todos os pontos. Eles falam o seguinte. “Sendo assim, considerando-se inclusive a robusta associação entre consumo de ácidos graxos saturados e o risco de doenças cardiovasculares…” Eu vou colocar no artigo… No EmagrecerDeVez.com a gente coloca sempre o artigo e as referências… Pelo menos 6 evidências científicas mostrando que não existe nenhuma associação entre o desfecho duro problemas cardíacos mortalidade e o consumo de gorduras saturadas. Então dizer que existe uma robusta associação entre essas duas coisas, é basear conclusões nessa assunção para mim está longe de ser ideal.

Dr. Souto: “Robusto” chega a ser ridículo. “E a ausência de grandes estudos bem controlados relativos ao óleo de coco em humanos.” Se óleo de coco fosse uma coisa meio venenosa… Se fosse um remédio… Precisaria. Mas daí vou ter que ter um ensaio clínico randomizado para cada item que vou comer?

Rodrigo Polesso: Para a banana, maçã…

Dr. Souto: Qual é o ensaio clínico randomizado sobre a banana? Qual é o ensaio clínico randomizado que tem sobre o orégano? Eu primeiramente tenho que ter um bom motivo para acreditar que algo mereça ser pesquisado com um ensaio clínico randomizado. Qual é a grande vantagem do estudo observacional? Qual é o motivo pelo qual ele existe? É gerar a hipótese. Imagine que eu observasse que todas as populações do mundo que comem bastante gordura de coco morrem para caramba. É o que aconteceu com o cigarro. Quem fuma morre 30 vezes mais do que quem não fuma de câncer de pulmão. Não precisa nem ser 30… “Quem consome gordura de coco tem o dobro de mortalidade cardiovascular de quem não consome. Vamos fazer um ensaio clínico randomizado.” Os observacionais mostram, na realidade, uma incidência menor de doença cardiovascular nas populações que consomem grandes quantidades de óleo de coco. É o óleo de coco? Não sei. É uma população que come muito peixe. São ilhéus dessas ilhas do pacífico. O pessoal tem um estilo de vida completamente diferente. Exercício físico… Vivem no meio da natureza. Mas se o coco fosse um veneno, de repente os desfechos deles fossem piores do que são. Então, como não tem nenhum motivo para crer que faça mal, para que eu preciso de um ensaio clínico randomizado para permitir que eu consoma especificamente este componente culinário? E por que eu não preciso de um ensaio clínico randomizado para mostrar que banana é seguro?

Rodrigo Polesso: Estão comendo óleos vegetais sem ensaios clínicos randomizados provando que é bom.

Dr. Souto: Bela pegada. Cadê os ensaios clínicos que mostram que podemos consumir esses óleos de soja, canola e etc.? Eles foram introduzidos a rodo na dieta humana sem ensaios clínicos randomizados. Com um detalhe: esses eram novos. O óleo de coco se consumiu a vida inteira. É comida, coisa da natureza. Já esses óleos, esses sim, são produtos praticamente farmacêuticos. Eles vêm da indústria. Para esse não se fez, exceto o famoso estudo do Ramsden, que assustadora mostrou uma mortalidade maior no óleo de milho. E esse era prospectivo randomizado. Esse não era o observacional. Vão incomodar o óleo de milho, que tem motivo. Deixe o coitado do coco em paz. Mas se vocês que estão nos ouvindo estão preocupados com o óleo de coco, isso não precisa fazer parte da sua dieta. É simplesmente mais um ingrediente. Pegaram no pé do óleo de coco basicamente para ser do contra. Porque está na moda, o pessoal fala… Mas é um alimento como qualquer outro.

Rodrigo Polesso: É isso aí. Agora falando em estudos observacionais… Enquanto você não estiver careca de saber sobre isso, ainda é útil repetir. Tem um artigo bastante interessante postado na página MedPage Today. Vou colocar todos os links depois. No dia 9 de março… Ele criticou a forma como estudos observacionais são conduzidos e interpretados no mundo da nutrição. O artigo focou em um estudo observacional recente publicado no JAMA, que tenta criar associações entre o risco de doenças com o consumo ou o não consumo de determinado alimentos. Vou ler uns trechos desse artigo que é bastante interessante. “Os autores e editores jogam pela janela os limites dos estudos observacionais. Em vez disso, eles endossam a ‘venda’ desses resultados para a prática de políticas públicas. O estudo, segundo os editores, tem o potencial de guiar os criadores de políticas e planejamento público de intervenções nutricionais saudáveis que poderiam ajudar a prevenir mortes por causas metabólicas. Os autores do estudo disseram algo semelhante a ‘esse estudo deve ajudar a identificar prioridades, guiar planejamento público de saúde e informar estratégias para alterar hábitos dietéticos e melhorar a saúde.” São estudos observacionais nos quais estão tentando adivinhar com números associação de risco. Ele continua: “Quão rapidamente o rigor científico é dissolvido de front a esta urgência de se atingir significância e importância? Isso é para mim uma extrapolação irresponsável. O campo da nutrição tem jogado esse mesmo jogo por muito tempo. Esse é um perfeito exemplo de ciência sendo envenenada por entusiasmo e superstição. Não é surpresa alguma que somente algumas horas depois de o estudo ser publicado, tiveram várias matérias que pegaram as dicas dos autores e editores do estudo e ignoraram ou diminuíram o problema da associação e causalidade.” Que interessante, Dr. Souto. Eu achei muito bom ele falar sobre isso, criticando como os estudos observacionais – que no máximo conseguem levantar uma hipótese são interpretados como se pudessem colaborar diretamente para mudanças dietéticas para as populações inteiras!

Dr. Souto: Na realidade, eu achei esse artigo fantástico. O sujeito colocou com uma linguagem forte. É uma coisa muito importante e o pessoal não se dá conta. Boa parte da confusão na qual a gente vive… Boa parte da incongruência das diretrizes… Tem a ver com o fato das pessoas sobrevalorizarem coisas observacionais. Acho que quanto mais isso for martelado, quanto mais a gente puder martelar isso… Uma coisa que eu tenho conversado sempre é dizer assim, “Quão desproporcionalmente isso está presente na nutrição em relação a todas as outras áreas das ciências da saúde?” O resto das áreas das ciências da saúde estão mais científicas. A nutrição está ficando para trás. Ela continua reiterando estudos observacionais. E, muitas vezes, estudos observacionais cuja realidade dos fatos já foi estabelecida por ensaios clínicos randomizados. As revistas médicas nem deveriam estar aceitando estudos observacionais sobre assuntos que já foram esclarecidos previamente nos ensaios clínicos. Nesse artigo que você falou eles estão se referindo a um que nós já tratamos aqui no podcast. Foi aquele artigo do JAMA que citava 10 coisas que eles tinham observado. Era tudo oriundo de estudos observacionais. Ainda sobre os observacionais… É muito comum que os autores digam o seguinte: “Nós controlamos essas outras variáveis.” Digamos que um estudo mostre que beber cafezinho está associado com câncer de pâncreas. Depois alguém diz assim, “Mas pessoas que bebem café são as mesmas que fumam mais. E o cigarro está associado com câncer de pâncreas. Então, o problema não é o café, é o cigarro.” Aí os estatísticos dizem o seguinte, “Nós vamos fazer um controle matemático para isso.” Eles basicamente aplicam um fator ali. Vamos imaginar que cafezinho dobre o risco do câncer de pâncreas. Mas aí nós vamos dizer que o cigarro aumenta esse risco, então vou dividir essa minha associação que era 2 por outro número que é o número que corresponde ao cigarro. Cada uma dessas operações introduz erro. E a decisão do número que será utilizado para dividir nessa análise multivariada é uma decisão completamente arbitrária. É chute! Ele vai pegar outro estudo observacional para ver a magnitude daquela associação e estabelecer qual número ele vai usar para dividir ou multiplicar. Depois, quando a gente lê, a gente diz assim: “Foi ajustado para peso, idade, sexo.” Mas esse ajuste é veio por um cara num computador que está pegando números que poderiam ser maiores ou menores dependendo das referências observacionais nas quais ele se baseou. O troço é uma salada matemática que ninguém entende. Só o estatístico que faz entende. E o estatístico que faz sabe que ele está chutando.

Rodrigo Polesso: Outro ponto legal de repetir é que essa confusão toda que a gente vê na mídia por aí… Colesterol faz bem, colesterol faz mal… Óleo de coco faz bem, óleo de coco faz mal… Essa confusão toda só é possível quando você não sabe do que está falando. Se a gente soubesse que uma coisa é um fato… Fatos não mudam de uma hora para outra… “A carne faz bem, a carne faz mal”… Essa montanha-russa de verdades e mentiras só é possível quando focamos em ensaios clínicos observacionais que não comprovam causa e efeito. Só assim que conseguimos que a verdade se modifique ao longo do tempo dessa forma tão ridícula. Eu já gravei um vídeo falando sobre hierarquia de evidências científicas. Vou postar no canal do YouTube do Emagrecer de vez. Se você não segue, siga lá. Vou postar em breve. É um vídeo mais técnico, não é para aquela pessoa do dia a dia assistir e se divertir. Mas acho que é uma coisa que podemos referenciar depois para mostrar como entender essa hierarquia e qual é o impacto de se basear conclusões em determinados níveis de evidência diferentes. É para tentar proteger o pessoal para não caírem nesse conto do vigário e conclusões pífias de estudos observacionais.

Dr. Souto: Isso é absolutamente fundamental.

Rodrigo Polesso: Falamos no episódio passado sobre aquele estudo dos tsimane da Bolívia. Eles estudaram essa tribo do Bolívia e viram que eles tinham a melhor saúde cardíaca do mundo, apesar de terem uma alimentação constituída de mais de 70% carboidratos. A Zoe Harcombe, que é uma pessoa bastante legal e que a gente gosta, escreveu uma crítica bacana sobre esse estudo. Dr. Souto, falamos sobre o estudo antes dela.

Dr. Souto: Eu acho que ela colocou no Google Tradutor o nosso podcast. Nós pulamos na frente, mas as conclusões são as mesmas.

Rodrigo Polesso: Exato. Vamos ver agora que as conclusões foram as mesmas. Inclusive uma bandeira vermelha que o Dr. Souto levantou sobre essa questão do 70% carboidrato… Ela desmiuçou isso aí e mostrou um pouco mais da verdade… Vamos mostrar para vocês agora. Sobre a matéria que foi postada no jornal The Lancet sobre os tsimane… Onde eles dizem que a dieta dos tsimane é composta 72% de carboidratos, a Zoe fala o seguinte. “Isso imediatamente nos diz que ‘Houston, nós temos um problema’. Assumindo que não teve problemas de precisão de medições, se 26% da energia vem de fontes animais, então esses 26% são proteínas e gordura, já que praticamente não tem carboidratos em ovos, carnes, peixes e etc. O resto da alimentação, que não é de fonte animal, ou seja, 74%, foi assumido que fosse totalmente carboidrato, o que está errado. 74% de alimentos vegetais foi convertido em 72% de carboidratos sem explicação alguma. A única substância que é 100% carboidrato é a sucrose, que é o açúcar de mesa. Isso é menos de 2% da dieta dos tsimane. Essa alimentação vegetal incluem castanhas-do-pará, as quais são 66% gordura e 12% carboidratos; arroz selvagem, que é 15% proteína; milho que é 9% proteína e 5% gordura. A assunção que os alimentos não animais são totalmente carboidratos é nutricionalmente ignorante e não foi questionada pelos autores do The Lancet. A coisa boa a respeito da dieta dos tsimane é que ela é 98% comida de verdade.” E se você acompanha o podcast da Tribo Forte, você deve ter visto que a gente fez a mesma análise antes da Zoe. A gente chegou na exata mesma conclusão. O fator que mais se aplica é que 98% da alimentação dos tsimane não é baseada em substâncias comestíveis, refinadas, processadas, modificadas, mas sim comida de verdade. Alimentação forte tem como base o fundamento da alimentação de verdade. Mas uma vez fica comprovado, apesar das pessoas quererem puxar para o lado delas de carboidratos…

Dr. Souto: Outro detalhe interessante que a Zoe levantou… Esse estudo não era um estudo nutricional. Ele era um estudo para avaliar o coração dessas populações. Ele é um estudo que tem muito valor. Imagine a dificuldade de ir no meio da selva… Levar um tomógrafo… Para escanear o coração dessas pessoas. Mas eles não fizeram um levantamento nutricional. Quando eles falam que isso era o que as pessoas comiam, eles estão usando referências mais antigas de outros antropólogos. Se quer esse estudo avaliou o que os tsimane comiam. Subitamente esse estudo é o motivo para dizer que estas dietas que cortam carboidratos são perigosas. Que loucura! Quando posicionamento da Abran saiu, esse posicionamento não muda em nada a forma como nós continuamos a recomendar a dieta… Comida de verdade… Porque, como costumo dizer, se o coco deixasse de existir, não mudaria nada. No entanto, isso circulou nas redes sociais como, “E agora? O que vocês têm a dizer em relação a isso?” Por algum motivo o pessoal gosta de fazer bullying com a dieta de baixo carboidrato. Então, qualquer coisa que tiver o mínimo contato com uma dieta de baixo carboidrato é usada como, “E agora? O que você tem a dizer com relação a isso?” O que eu tenho a dizer é que isso não muda em nada. Nós não temos “a dieta do óleo de coco”. Não estamos propondo a dieta do zero carboidrato. Se o tsimane têm boa saúde comendo… A gente já sabe que não são 72% de carboidrato… Mas comendo bastante carboidrato de comida de verdade, ótimo. Isso reforça nossa ideia de comida de verdade. Se o óleo de coco não deve ser prescrito como suplemento para emagrecer ou para qualquer outra coisa… Nós nunca dissemos que deveria. Acho que as pessoas estão fazendo aquela história da falácia do espantalho. Para quem não conhece, coloca no Google “Souto Dieta Falácia do Espantalho”. O que é a falácia do espantalho? Eu quero atacar um argumento. Mas em vez de atacar o argumento, eu construo um homem de palha, um espantalho… Como um espantalho, ele lembra uma pessoa. Ele tem dois braços, duas pernas, um chapéu na cabeça… Mas não é uma pessoa. Ele está aí só para espantar os pássaros. Então, se eu construir um argumento que é um espantalho do argumento real, aí eu ataco esse argumento. Se eu disser que aquilo que o Souto e o Rodrigo estão propondo é usar uma grande quantidade de óleo de coco porque isso será bom para sua saúde cerebral, vai combater infecções, vai fazer você viver para sempre… Aí esse negócio da Abran seria um desastre. Exceto que nós nunca dissemos isso. Se o Souto e o Rodrigo dissessem que “todos os carboidratos são um veneno e você não deve consumir carboidrato nenhum, nem que você seja um atleta magro”… Aí os tsimane seriam um desastre para nós. Mas só se for um espantalho do que o Rodrigo e o Souto propõem, porque o que nós realmente propomos não tem nada a ver com isso.

Rodrigo Polesso: Mas estou vendo uma transição bastante bacana no tipo das mensagens que as pessoas mandam para a gente. Está diminuindo a incidência de pessoas que vem dizer, “Olá só, saiu que os tsimane comem praticamente só carboidrato. O que vocês têm a dizer sobre isso?” Espero que seja resultado de tanto batermos na tecla do ceticismo inteligente para as pessoas avaliarem o que elas leem. As pessoas estão vindo assim, “Olha aí, Rodrigo. Postaram essa balela! Acho legal vocês cobrirem isso para explicarem para as pessoas.” As pessoas começam a param de virem na ofensiva, de quererem que a gente defenda uma ideia… “Se vira com essa agora, malandro.” E começam a vir com, “Postaram mais uma besteira. Vocês não querem comentar para que outras pessoas também tenham acesso à verdade?” Acho que é uma mudança bastante legal e espero que seja resultado dessa tentativa nossa incessante de instruir as pessoas a respeito do ceticismo e de avaliar níveis de evidência, não acreditando em tudo o que vê assim de cara. É uma tendência bastante interessante e mostra um bom benefício em longo prazo, imagino.

Dr. Souto: Você tem razão. Eu tenho observado a mesma coisa. Inclusive, esses dias um paciente no consultório me disse que ele teve uma conversa com a nutricionista… Que ela começou a falar que com dieta de baixo carboidrato ele iria morrer… E ele foi rebatendo ela com ensaios clínicos randomizados e metanálises. E o cara não é da área da saúde. Eu achei fantástico. Eu ganhei meu dia. Consegui passar o principal, que é o pensamento crítico. Quem tem a ferramenta do pensamento crítico pode se virar em situações novas, que ainda virão a surgir na próxima balela. O que você acha, Rodrigo? Podemos fazer uma proposta para os nossos ouvintes. Quando sair a próxima balela – e saí pelo menos uma por semana – quem sabe vocês escrevem para nós… Pode ser pelo blog ou pela Tribo Forte… Escreva a sua interpretação mostrando porque que aquilo é uma balela… E a gente seleciona a vencedora para ler no podcast.

Rodrigo Polesso: Seria legal. Vocês podem mandar direto para [email protected]. A gente pode montar a pauta e colocar aqui.

Dr. Souto: Assim como de vez em quando a gente coloca as perguntas nos leitores… Vamos botas as contribuições dos leitores. Quem está nos ouvindo há 50 e tantos podcasts estará munido de pensamento crítico. O próximo estudo observacional que sair mostrando uma correlação entre a coisa X e o desfecho Y… Vamos fazer uma análise do que está errado… Qual seria uma variável de confusão que pode estar explicando aquilo ali…

Rodrigo Polesso: Os pontos fracos e etc. Sensacional. Acho uma ótima ideia para incentivar essa análise. Além de ser divertido achar buracos em matérias que o pessoal aceita como verdade.

Dr. Souto: Isso, como tudo, tem que treinar. A gente vai ficando bom à medida que vamos treinando essa prática.

Rodrigo Polesso: Com certeza. É isso pessoal. Como estamos gravando esse podcast excepcionalmente de manhã, não vou perguntar o que o Dr. Souto comeu na última refeição porque não comemos nada até agora. Vamos fechando, então. Acho que podcast ficou recheado. Espero que tenha sido útil para você. Por favor, compartilhe, se você achar que isso pode ajudar outras pessoas também. Se você não é parte da Tribo Forte, é só você acessar TriboForte.com.br. Talvez agora seja hora de você se juntar a esse movimento. Obrigado, Dr. Souto. A gente se vê na próxima.

Dr. Souto: Obrigado. Até a próxima.