TRIBO FORTE #116 – A ABSOLUTA VERDADE SOBRE JEJUM INTERMITENTE

Bem vindo(a) hoje a mais um episódio do podcast oficial da Tribo Forte!

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Neste Podcast:

  • A balela da vez que caiu na mídia foi que jejum intermitente pode aumentar o risco de diabetes tipo 2, fazer você viver menos e se brincar até mudar a cor do seu cabelo, MAS:
  • Como eu disse, isso foi o que a BALELA disse.
  • Quer saber da VERDADE sobre Jejum intermitente?

Escute o podcast de hoje e ESPALHE a todos ventos!

Saúde é importante! Informação credível é importante!?

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Ouça o Episódio De Hoje:

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Referências

Artigo no Site VivaBem do UOL

Artigo no Site Endocrie Abstracts Falando do JI e da Resistência À Insulina em Ratos

Matéria no The Guardian Falando do Risco de Diabetes

Estudo Publicado Em 2013 Sobre a Relação Entre Expectativa de Vida de um Rato e um Humano

Artigo Publicado por Ana Bonassa em 2016 Onde Testou Ratos Alimentados e Ratos que Fizeram Jejum de 48h

Outro Artigo de Ana Bonassa de 2014

Estudo Cell Metabolism

The Conversation

 

 

Transcrição do Episódio

Rodrigo Polesso: Olá para você! Bem-vindo ao podcast número 116 aqui da Tribo Forte. Eu sou o Rodrigo Polesso e esta é mais uma pílula semanal de saúde, emagrecimento, estilo de vida saudável e também verdades científicas, como sempre. A gente vai tentar desmistificar balelas e tentar mostrar para você a luz da verdade mais forte possível. Se você for uma daquelas pessoas que desesperadamente nos mandou mensagem essa semana a respeito do novo estudo que mostrou que dessa vez o jejum intermitente vai fazer mal… Dessa vez jejum intermitente realmente vai aumentar risco de problema… Fique tranquilo. A gente vai cobrir isso hoje. Você pode pegar seu chazinho de camomila, seu cafezinho, sentar tranquilo. Se você está no trânsito, pode relaxar também. Não precisa ficar tenso. Fica tranquilo porque a gente vai cuidar bem desse assunto que parece ter tomado a atenção do pessoal nesses últimos dias… última semana. Esse podcast a gente dividiu basicamente, informalmente, em duas partes. Primeiro vou colocar você a par do que é esse estudo. Eu fiz uma investigação para você entender o que é esse estudo, o que ele não é… Para você entender um pouco mais. Depois, na segunda parte, o Dr. Souto vai falar um pouco mais sobre o que a gente sabe de fato sobre jejum intermitente em seres humanos. A gente vai ter uma boa discussão a respeito desse assunto, que vai ser o grande foco de hoje aqui… O jejum intermitente… Como se já não bastasse tudo o que gente falou até agora sobre esse assunto. Parece que as pessoas estão sempre com medo e meio inseguras a respeito disso. Não você talvez que esteja ouvindo, mas muita gente por aí. Dr. Souto, tudo bem? Preparado para a batalha?

Dr. Souto: Tudo bem, Rodrigo. Bom dia e bom dia aos nossos ouvintes.

Rodrigo Polesso: Maravilha. Então, é o seguinte. Para começar, claro… Espalha esse podcast para o pessoal… Para gente que você conhece. Principalmente para quem não conhece jejum intermitente ainda, está em dúvida, está com medo por aí. Acho que pode ser benéfico. É só você indicar eles a entrar na TriboForte.com.br e clicar em podcasts ou entrar no EmagrecerDeVez.com e ver todos os podcasts, inclusive com transcrição lá dentro. Você pode pesquisar, inclusive, em todas as transcrições para achar o que você procura, então é muito conveniente. Maravilha. Dr. Souto, eu assumo que você tenha recebido mais de duas mensagens durante esse tempo sobre esse assunto… Só para o pessoal entender.

Dr. Souto: Começou a chover mensagens. De uma hora para outra, começa a chover mensagens. Rodrigo, você colocou bem. O que está por trás disso é o tal do medo. Eu sempre refiro às pessoas a uma postagem que eu escrevi tempos atrás que chama: “Você tem medo de quê?” Deem uma olhada lá, pessoal. Botem no Google: “Souto dieta você tem medo de que”. Ali eu coloco isso que as pessoas… Elas adotam essa mudança de estilo de vida… E aqui não estou falando especificamente de jejum. Estou falando, por exemplo, de low carb. Estou falando de restringir carboidratos, por exemplo. Adotam isso, mas com um medo no fundo de que aquilo que estão dizendo para ele… Os amigos, vizinhos… O pessoal no programa matinal de televisão… Que aquilo está tudo certo e que de uma hora para outra eles vão se dar conta que estão fazendo uma bobagem e as pessoas vão dizer, “Viu só? Eu não disse?” Então, cada vez que sai uma notícia, por mais estapafúrdia que seja… Nós vamos ver que é o caso aqui… As pessoas imediatamente entram nessa situação do medo que… Eu até naquela postagem coloquei assim… É como se fosse mãe que disse assim, “Viu? Eu falei que não era para sair na rua sem o casaquinho. Agora está gripado. Viu? Tinha que ter saído com o casaco.” Então, o sujeito sai sem o casaquinho, mas ele sai com uma culpa tremenda. E a hora que ele dá o primeiro espirro, ele pensa assim: “Viu? A mãe tinha razão.” E tem uma espécie de mãe arquetípica que diz assim: “Você tem que comer de 3 em 3 horas. Você precisa comer 60% de carboidratos, grãos, Sucrilhos.” Aí a pessoa diz, “Tá, eu não vou comer isso”. Mas ele fica pensando, “No fundo, a mãe deve ter razão”. E na primeira coisa, na primeira reportagem, por mais bizarra que seja, no lugar menos confiável de portal de internet… “Viu só? Eu não avisei que ela loucura isso?” É por aí que a coisa vai. Toca lá, Rodrigo.

Rodrigo Polesso: Bom, então é o seguinte… O que esse bafafá dessa última semana… Esses últimos dias aconteceu. Saiu no dia 21 de maio… Saiu uma notícia no site Viva Bem do UOL com a seguinte manchete: “Jejum intermitente aumenta risco de diabetes tipo 2, diz estudo da USP”. Saiu em outros lugares também, mas eu peguei esse como referência. Como a gente falou, eu recebi bastante mensagem de gente preocupada, pedindo para que nós nos pronunciássemos aqui no podcast sobre isso. O que esse artigo diz, do UOL? Diz o seguinte. Estou lendo. “A dieta de jejum intermitente vem ganhando cada vez mais espaço entre os que desejam perder peso rapidamente e obter alguns benefícios para a saúde.” Bom, jejum intermitente não é dieta. Vamos lá. “De fato, estudos indicaram que o jejum intermitente pode diminuir o risco de doenças cardíacas, por exemplo, mas uma nova pesquisa, apresentada na reunião anual da Sociedade Europeia de Endocrinologia, em Barcelona, ​​na Espanha, nesta segunda (21), sugere que essa dieta pode ter sérias consequências para o metabolismo e elevar o risco de diabetes tipo 2.” Uau. Continua. “Liderado por Ana Cláudia Munhoz Bonassa, pesquisadora da Universidade de São Paulo, o estudo mostra que o jejum intermitente pode prejudicar a atividade normal do pâncreas e a produção de insulina. Estudos anteriores já sugeriram que o jejum por um curto período de tempo aumenta o estresse oxidativo e a produção de radicais livres, acelerando o processo de envelhecimento e danificando o DNA. Para descobrir se o jejum intermitente de fato gera radicais livres, Bonassa e seus colegas fizeram com que ratos adultos saudáveis seguissem essa dieta por um período de três meses.” Eu fico louco a cada vez que eles falam que jejum intermitente é dieta. Se você escuta a gente aqui, você já sabe disso. Enfim, jejum intermitente não é dieta, é o oposto disso. Como resultado… Eles dizem, nesse estudo… Nesse suposto estudo… Dizem que a gordura no abdômen dos roedores aumentou e isso, segundo o artigo, é relacionado ao diabetes tipo 2. Além disso, segundo o estudo… Eles acharam “danos” nas células pancreáticas secretoras de insulina, níveis mais altos de radicais livres e sinais de resistência à insulina. A líder do estudo… A Ana Bonassa… Ela disse o seguinte: “Embora esta dieta possa levar à rápida perda de peso, a longo prazo pode haver sérios efeitos prejudiciais à saúde, como o desenvolvimento de diabetes tipo 2”. Veja que ela não mencionou que o estudo foi feito em ratos nessa frase aí. Mas ela continua. “Este é o primeiro estudo a mostrar que o jejum intermitente pode realmente danificar o pâncreas e afetar a função da insulina em indivíduos saudáveis ​​normais…”

Dr. Souto: Indivíduos? Algum indivíduo foi pesquisado?

Rodrigo Polesso: “…em indivíduos saudáveis ​​normais, o que poderia levar ao diabetes e a sérios problemas de saúde”. Eu coloquei justamente isso aqui. Indivíduos ratos saudáveis, corrigindo ela. Indivíduos ratos saudáveis. Ou ela está extrapolando já para aplicar os resultados de ratos a seres humanos? Olha só. Esse é só um dos problemas, Dr. Souto. É só um dos pequenos problemas desse estudo. Depois dessa introdução, você já entendeu que a gente está na mesma página aqui agora. A pergunta que pode estar na sua cabeça é a seguinte. Mas, então, que estudo foi esse? Eu bastante feliz que você queira saber disso, porque a gente vai falar disso agora. O nome do estudo em inglês é… Jejum intermitente por três meses diminui a massa das ilhotas pancreáticas e aumenta a resistência à insulina em ratos wistar, que é uma espécie de ratos bastante usada em laboratório. Bom, então, na verdade, todo esse bafafá se refere… A não é um estuo de fato publicado, mas um mero pôster… Um resumo que foi mostrado durante o Congresso Europeu de Endocrinologia agora em maio. Estou com o estudo… Com o resumo aberto aqui… Eu vou te dizer… Ele não tem praticamente nada de detalhes de como tal estudo foi executado… Sobre os métodos. Então, é impossível dar credibilidade, de fato, e poder falar muito. Eu só quero ressaltar que, novamente, dentro do estudo, eles falam que jejum intermitente é uma dieta da moda… No próprio estudo. Eles falam que é dieta novamente. Isso já deveria levantar a bandeirinha vermelha. Mas, enfim. Uma informação interessante sobre esse estudo foi dita no artigo do jornal The Guardian, do Reino Unido. Ele diz o seguinte. Os pesquisadores de São Paulo examinaram os efeitos de fazer jejum um dia sim, um dia não nos ratos e aí verificaram a questão do peso do rato. No The Guardian, eles faram já que eles fizeram jejum dia sim, dia não. Então, já é uma informação a mais. Com essa informação, pessoal, a gente já consegue tirar bastante coisa. Por exemplo… Para colocar isso em perspectiva… Seria mais ou menos o seguinte. Tem um estudo publicado em 2013… Todas as referências vão estar aqui na transcrição… Sobre a relação entre a expectativa de um rato e de um ser humano. Disse que é aceitável se considerar que um mês na vida de um rato de laboratório é equivalente a três anos na vida de um ser humano, como o estudo levou três meses, a gente pode dizer que é como se esse estudo tivesse durado 9 anos da vida do ser humano. E como artigo The Guardian disse, os ratos comiam em um dia e faziam jejum no outro dia e assim por diante. Veja. Um dia na vida de um rato é como 34 dias na vida de um ser humano. Então, de forma solta, já que a gente está falando e pouca precisão científica, a gente poderia considerar que, para fins de comparação, que esse estudo fosse feito em humanos, seria semelhante a fazer um jejum de 34 dias, 1 mês sim e 1 mês não, por 9 anos. Parece meio extremo, não é verdade? Isso sem contar que os ratos comem a todo momento. Eles não estão fazendo refeições agendadas. Eles comem a todo momento, tipo vaca. Então, ficar 24 horas sem comer é muito tempo na vida de um rato. Então, um jejum de 24 horas em um rato seria como um jejum de 34 dias num ser humano, usando essa informação disponível que a gente tem de equivalência. Então, vamos lá. Independente de tudo. Ao meu ver, independente de qualquer coisa, seria natural que alguns mecanismos de proteção fossem ativados e que alguns danos acontecessem no corpo ao se ficar sem comer por 1 mês a cada 2 meses… Um mês come, 1 mês não come. Isso não é jejum intermitente, é quase um jejum permanente. E ratos não são humanos, pelo menos não a maioria deles, até onde eu sei. Acredito que a diferença no impacto metabólico do rato seja diferente o bastante para impossibilitar uma extrapolação para o ser humano assim tão facilmente. Ou seja, é incoerente, inconsistente, inconsequente e pior, não científico se assumir que esses resultados se aplicam a seres humanos como infelizmente a líder disse aqui acima. Mas veja, esse é somente um dos pontos… A extrapolação da interpretação entre espécies. O resto do problema tem a ver com a extrapolação de mecanismos substitutos para desfechos finais. Ou seja, assumir que, por exemplo, o aumento da produção de espécies reativas de oxigênio… Os radicais livres… Neste contexto irão levar à diminuição de expectativa de vida como eles disseram, colocando medo na população. É sabido que as espécies reativas de oxigênio têm um papel duplo. Elas podem agir tanto como facilitadores quanto inibidores da sinalização de insulina. Esses radicais livres não são necessariamente ruins. Eles são necessários em muitos aspectos. Aliás, a própria Ana Bonassa, a líder do estudo, sabe disso. Por quê? Porque ela publicou um artigo em 2016 onde ela testou os mesmos ratos. Mas testou ratos alimentados e comparou com ratos que fizeram jejum de 48 horas, que é extremamente longo para um rato. Ela diz o seguinte nesse estudo. “Essas moléculas de espécies reativas de oxigênio, esses radicais livres, estão envolvidos com as células beta do pâncreas, sinalizando e controlando a secreção de insulina.” Olha só, ela sabia disso. E ela continua. “O aumento na produção de radicais livres previne a ocorrência de hipoglicemia em condições de jejum.” Que bacana. Então, veja. Outra coisa que ela disse foi que tiveram sinais de aumento de resistência à insulina com jejum intermitente. E para isso eu digo: graças a Deus que tiveram sinais. Se o corpo ficasse extremamente sensível à insulina depois de um jejum extremamente longo, a gente poderia entrar em coma por hipoglicemia ao comer alguma coisa. O corpo é esperto, pessoal. A gente já sabe. Nós, humanos, temos visão míope de mecanismos substitutos… E confundindo isso com desfechos finais… Isso sim não é muito esperto. Mas a Ana Bonassa já sabia disso também. Afinal, num estudo que ela publicou em 2014 é dito o seguinte: a diminuição da atividade secretória das ilhotas do pâncreas (que ela tanto gosta de falar) é de fundamental importância para impedir que quantidade maiores de hormônios sejam secretados, podendo levar a uma hipoglicemia mais acentuada, incompatível com o funcionamento normal do organismo. Olha só. Ela já sabia de todos esses benefícios dos radicais livres. Mas agora resolveu focar no mal. Em suma… Vamos simplificar aqui o que a gente sabe sobre esse bafafá todo. Primeiro. A origem deles foi um mero resumo. Um post de congresso e não um estudo completo, publicado e que pode ser analisado de fato para conclusões. Segundo. Ela verificou, entre outras coisas que vários mecanismos protetores do corpo, dos quais ela já tinha conhecimento, entram em ação depois do jejum intermitente extremamente longo em ratos. Quarto. Ou melhor, terceiro. Tudo isso, incluindo os estudos passados que eu mencionei, foram feitos em ratos e jamais podem ser extrapolados para serem considerados válidos em seres humanos – até porque um teste tão intenso e longo de jejum assim em humanos nunca seria aprovado no conselho de ética. Por último, veja, enquanto a gente acaba com todo esse papo de entender mais sobre como ratos wistar reagem a protocolos extremamente longos de jejum intermitente e como suas células pancreáticas se comportam depois de serem extraídas de seus corpos mortos e analisadas em um tubo de ensaio… Por que a gente não vê, de fato, o que a gente sabe sobre seres humanos e protocolos razoáveis sobre jejum intermitente? E quando eu falo para vocês verem o nível da coisa, eles pegaram esses ratos, colocaram em jejum intermitente extremamente longo e depois fizeram o quê? Mataram os ratos, pegaram os ratos mortos, abriram eles, foram lá no pâncreas, pegaram essas ilhotas… As células lá do pâncreas… Colocaram num tubo de ensaio e daí começaram a brincar com isso… E viram que o comportamento dessas células não era mais o mesmo do que deveria ser esperado, por exemplo. Bom, as células deveriam estar dentro do pâncreas, dentro de um rato vivo, para começar… E um rato que não faz jejum de 48 horas. Então, várias coisas estão erradas aí. Tudo isso que você está vendo aqui agora acaba gerando a manchete de que jejum intermitente aumenta os riscos de diabetes tipo 2, aumenta radicais livres que promovem uma vida mais curta, quando a gente já sabe tudo isso… Essa é a verdade… Não tem mais informação do que isso disponível. A Ana Bonassa sabe tudo isso que eu falei de acordo com as publicações anteriores dela. É isso que a gente sabe sobre esses ratos wistar. É isso que a gente sabe sobre esse assunto. Agora, depois disso, vou tomar um ar aqui e passar para o Dr. Souto falar o que a gente sabe de fato sobre jejum intermitente para seres humanos. Que coisa louca, hein, Dr. Souto?

Dr. Souto: Está pilhado hoje, hein, Rodrigo?

Rodrigo Polesso: Fiquei de cara. Fico P da vida com essas coisas.

Dr. Souto: De tudo o que você falou, a única coisa que talvez eu ache que é questionável… Eu não sei se dá para extrapolar essa questão do tempo de vida do camundongo para a questão do dia. Afinal, o ritmo circadiano de todos os seres vivos na Terra é de 24 horas.

Rodrigo Polesso: Sim, sim. Vamos dizer assim: não seria equivalente.

Dr. Souto: E são ratos.  Vamos começar pelo problema mais grave de todos. O problema mais grave de todos é o seguinte. Nós estamos falando sobre uma não notícia. Sobre algo que jamais deveria ter sido notícia. Por quê? Porque isso não é um estudo científico publicado na literatura peer review. Quem não é da área da saúde, pode não entender… Ou da área da ciência, enfim… O que eu estou dizendo. Mas um estudo só passa a ser considerado um estudo que possa gerar uma notícia, um debate e tal, no momento em que ele é publicado numa revista científica. Isso que nós estamos falando é um resumo de um pôster. Sabe pôster? Aquele negócio que coloca dentro de um tubo, enroladinho, uma cartolina? Leva num congresso, gruda com tachinhas… É disso que nós estamos falando. É uma coisa extremamente preliminar. Aí vocês vão dizer, “Qual é o problema? A pesquisa não é a mesma?” Não, pessoal. Não é assim que funciona. Para que um estudo seja publicado numa revista científica, ele tem que passar pelo processo do peer review. Peer review é um termo em inglês que significa “revisão pelos pares”. Ou seja, outros cientistas que trabalham nessa área vão analisar aquele estudo e fazer essas perguntas que o Rodrigo está fazendo. Vamos dizer… Só um pouquinho… Como que vocês podem dizer que aumenta o risco de diabetes se nenhum animal ficou diabético nesse estudo? Vocês passaram 3 meses e aí sim, 3 meses corresponde a um tempão na vida de um rato… Anos na vida de um rato… Fazendo uma intervenção. Ao final do estudo nenhum dele estava diabético e vocês estão dizendo que isso aumenta a chance de ficarem diabéticos? Aí o cara vai ter que… O texto dele não é aceito na publicação da revista até que o sujeito mude o que está escrito ali. É isso que significa o peer review. O pôster… Eu posso escrever o que eu quiser no pôster. E quem tem alguma experiência com isso aí sabe que é difícil um pôster ser recusado num congresso. Agora, é muito comum que um artigo seja recusado por não uma, mas por várias revistas para publicação porque no processo de peer review os revisores dizem, “Não. Não são aceitáveis essas conclusões. Os dados desse estudo não são capazes de basear essas conclusões.” Ou, “Esse estudo tem falhas graves que impede que uma revista com a reputação da nossa publique isso aí.” Então, é bizarro, bisonho que tenha gerado manchetes em vários portais… Uma coisa que não é um estudo científico pronto… Que não foi publicado num período científico e é apenas e tão somente um pôster… Pôster apresentado em um congresso.

Rodrigo Polesso: Mas é polêmico. É polêmico.

Dr. Souto: Como que isso foi parar nos portais? Eu explico para vocês. Chama-se press release. Universidades têm os seus departamentos de imprensa. Daqui a pouco o departamento de imprensa pinça coisas que estão sendo feitas pela universidade… Ou até mesmo o pesquisador chega e vai no departamento de imprensa e diz assim, “Olha, eu tenho um resultado interessante que nós vamos apresentar num congresso aqui num pôster.” Aí um jornalista faz um texto e entrega esse texto pronto para portais. O cara do portal… Agora deve ter jornalista aqui nos ouvindo que vai concordar… É assim… Trabalha sob pressão. Ele tem que ter assunto todos os dias para gerar cliques. Então, se cai no colo dele alguma coisa… E aí o Rodrigo pegou na mosca… Alguma coisa polêmica… Tem trocentos estudos mostrando o benefício da intervenção jejum intermitente… Tanto em seres humanos quanto em roedores. Veja bem… Não se trata de uma dessas situações em que estudos em humanos mostram benefício, mas estudo em roedores não mostram… Se fosse o caso, que os ratos têm problemas com jejum intermitente e as pessoas têm benefícios… A gente ia achar interessante para as pessoas. Mas talvez os veterinários optassem por não fazer jejum intermitente nos seus pacientes, ratos. Mas, não! Aqui nós estamos falando de uma situação que a totalidade da literatura mostra benefícios metabólicos, inclusive para os ratos. Então, quando saiu um estudo que mostra que foi ruim para os ratos, isso significa que eles vão ter muito o que explicar no peer review, na hora que eles tentarem publicar esse estudo. Não sei se vão conseguir publicar esse estudo. Agora, é polêmico. E aí o sujeito pega o press release, bota e a gente começa a receber email desse tipo de porcaria. Eu não estou dizendo que o estudo é uma porcaria. Estou dizendo que porcaria é uma reportagem… Baseada em um pôster. Pôster, poxa vida. Bom… Mas olha que interessante. Nós já discutimos vários podcasts atrás um estudo. Este sim gerou muita repercussão nacional e internacional. Foi publicado na revista Cell Metabolism. Foi um estudo do grupo do Dr. Valter Longo e este estudo foi extremamente completo, complexo, utilizou uma série de medidas, tanto in vitro quanto in vivo, como em humanos. Testando jejum intermitente desde leveduras, passando por roedores e chegando em humanos. Então, Rodrigo, o que aconteceu mesmo com os ratos desse pôster aí? Eles ganharam peso, ganharam gordura, é isso?

Rodrigo Polesso: Dizem que aumentou a gordura abdominal deles e perdeu massa muscular. Claro, num jejum tão longo assim… Mas é isso.

Dr. Souto: No entanto, nós estamos vendo o estudo que saiu na Cell Metabolism… E este é um estudo, este é peer review… Este foi publicado… E numa revista que muito pouca gente consegue publicar, porque é uma revista de alto impacto, que rejeita os estudos que não são muito bons… Neste estudo nós temos que os camundongos fizeram jejum intermitente e ficaram mais magros. Houve diminuição da adiposidade. E aí? Então… Houve uma diminuição do câncer também. Eles deixaram esses camundongos viver até o final da vida deles… Quando eles começam a ficar velhos e começam a ter um risco maior de câncer. E aqueles que fizeram jejum intermitente tiveram menos câncer. Esse estudo do pôster sugere que há um aumento de marcadores inflamatórios. Pois no estudo da Cell Metabolism em roedores houve uma diminuição de doenças inflamatórias e marcadores inflamatórios. No estudo da Cell Metabolism, houve aumento da capacidade da resposta imune e da capacidade cognitiva dos roedores em achar caminhos de…

Rodrigo Polesso: Labirinto.

Dr. Souto: Labirintos e melhorar a memória. E eles inclusive viveram mais.

Rodrigo Polesso: Exato é o oposto que eles disseram nesse pôster.

Dr. Souto: Então, aí a questão é a seguinte… Pode ser que esse pôster tenha descoberto algo revolucionário que vários outros pesquisadores internacionais não conseguiram achar. E talvez todos os outros pesquisadores do mundo estejam errados e somente este pôster esteja correto. Bom, vejam que a barra aqui está muito elevada. Quer dizer… Basicamente nós temos um estudo que não foi publicado, que foi apresentado como pôster e que está indo contra… Estou citando um estudo aqui, mas tem vários outros, em roedores inclusive, mostrando o contrário. Então, se eu quero dizer que todo mundo está errado e nós estamos certos… Nós aqui da USP… É bom que isso seja publicado e os métodos estejam disponíveis para poder ver. Agora eu estou curioso com o seguinte. Está tudo bem… Na hora do jejum os animais não estavam comendo, mas quando eles estavam comendo, o que será que eles estavam comendo?

Rodrigo Polesso: Tem muitas perguntas.

Dr. Souto: Mas eu não tenho como saber. Por quê? Porque o raio do estudo não foi publicado. Quando um estudo é publicado… Para quem não é da área da ciência, a gente tem que explicar. Quando um estudo científico é publicado, existe uma seção do estudo na revista científica chamada materiais e métodos. Ali está descrito com detalhes suficientes para que se um outro cientista quiser, ele possa reproduzir o mesmo experimento no seu laboratório. Esse é o nível de detalhamento. Tem que ter qual foi a ração que foi dada para os camundongos, qual é o número de série da ração… Para que, se eu quiser, eu possa comprar do mesmo fabricante e reproduzir o estudo. Eu posso entrar no site do fabricante e ver a composição. Quantos gramas de carboidrato, proteína, gordura… Se é carboidrato refinado ou não… Eu tenho como saber isso. Na droga do pôster não tem como saber. O pôster é um resumo. Então, como que isso gera manchetes? Antes da gente entrar em qualquer detalhe, falar dos estudos em humanos e etc., a questão é: Como diabos isso virou manchete? Eu repito. Eu quero ser repetitivo hoje. É um pôster, pessoal. Um pôster que foi apresentado num congresso. Isso não gera manchete. Não deveria. Nesse estudo da Cell Metabolism… O estudo, nós vamos botar aí nos links. Mas em português seria: “Uma dieta periódica que mimetiza o jejum promove regeneração multisistêmica, melhora da performance cognitiva e aumento do tempo de vida. Aí tem uma parte do estudo que foi feita em humanos. E o que que a parte do estou que foi feita em humanos mostrou? Um aumento dos marcadores de regeneração… Aquilo que a gente sempre fala da autofagia, na qual a gente passa a ter destruição de organelas antigas e regeneração de organelas novas… E células novas do sistema imunológico… O Premio Nobel do ano passado. E ouve melhora dos fatores de risco e biomarcadores para: diabetes… Vem cá… O UOL não disse que aumenta a chance de diabetes?

Rodrigo Polesso: Deixa eu só falar uma coisa… Veja da onde eles tiraram essa ideia de diabetes… Eu estava lendo e eles falaram o seguinte… A gente viu que os ratos… Sabe como diachos isso aconteceu… Mas segundo eles, eles mediram que a gordura visceral dos ratos que fizeram jejum era maior do que a dos outros… A gente não sabe. Mas disso eles tiraram o seguinte… A gente sabe que gordura visceral é associada à diabetes, então se o jejum intermitente aumentou a gordura visceral, vai com certeza levar à diabetes tipo 2. Por isso, jejum intermitente leva à diabetes tipo 2. Esse foi o raciocínio que eles usaram.

Dr. Souto: Então, primeiro… Somente nos camundongos… Nos ratos wistar da USP isso acontece. Nos roedores de todos s outros lugares do mundo, jejum intermitente diminui especificamente gordura visceral. Veja bem… Se todo mundo larga a pedra e ela cai… E alguém apresenta um pôster dizendo que larga a pedra e ela flutua, isso não significa que as pedras passem a flutuar. Isso significa que na hora de tentar publicar esse estudo numa revista científica peer review, talvez não passe. Talvez nunca seja publicado esse estudo. Mas agora falando em humanos. Veja bem, nem mesmo os ratos wistar do pôster ficaram diabéticos. O que houve foi uma alteração nos biomarcadores que os autores imaginam que aumentam o risco do diabetes – coisa que nos ratos dos outros pesquisadores não acontece. Agora, e em humanos? Em humanos há uma redução dos biomarcadores e fatores de risco para diabetes. Ou seja, mesmo que nos roedores do mundo jejum intermitente fosse ruim, os humanos jejum intermitente melhora esses marcadores. Agora, mesmo nos roedores dos outros estudos melhora. Diminuiu os fatores de risco para doença cardiovascular, diminuiu os fatores de risco para câncer e diminuiu marcadores de envelhecimento em humanos. Esse é um dos estudos importantes, conhecidos. Nós vamos botar o link. Agora, olha que interessante. Estou abrindo um outro artigo aqui… Um artigo de revista leiga. Da revista The Conversation. E eu quero chegar numa parte… Vou traduzindo enquanto eu leio estudos recentes do efeito de jejum intermitente no diabetes, focaram-se principalmente no jejum periódico. Num primeiro passo, pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia começaram a testar se o jejum periódico poderia curar diabetes em camundongos. Vou ler de novo. Eles começaram a pesquisar se jejum periódico poderia curar diabetes em camundongos. Então, como ele pode causar algo que ele cura? Aliás, deixa eu perguntar para você, Rodrigo, uma coisa que o meu filho me perguntou ontem de noite quando me viu comentando sobre isso. Ele disse assim: “Pai, diabetes não é um problema da pessoa comer demais, comer açúcar demais, engordar, ganhar peso, ficar diabético? Como é possível que não comer possa causar diabetes?”

Rodrigo Polesso: Ele deveria postando pôster em congresso de endocrinologia, pelo jeito. Ele é inteligente suficiente.

Dr. Souto: Veja bem… Porque é uma coisa óbvia. Você pode ser do grupo que acredita que açúcar está relacionado com diabetes. É o caso. Eu acho que muito açúcar, muito carboidrato refinado está na gênese do diabetes. Ou então você pode fazer parte daquele grupo que pensa que não, que o problema é simplesmente comer demais, fazer pouco exercício e ficar gordo… E à medida que você vai ficando gordo, você vai desenvolvendo resistência à insulina e portanto começa a ter diabetes. Agora, como é possível você acreditar que não comer… Porque jejum significa… Para quem não teve vontade de abrir o dicionário… Jejum é não comer. Como não comer pode provocar diabetes, que é uma doença causada pelo excesso? Como é possível? É um pensamento tão bizarro.

Rodrigo Polesso: E aumentar a gordura visceral ao não comer…

Dr. Souto: Como não comer pode aumentar sua gordura visceral? Então, vamos lá. Os pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia foram fazer esse teste. Eles usaram camundongos mutantes que não produzem o hormônio leptina para regular o seu consumo de comida. Esses camundongos comem o tempo todo. Se tornam obesos e diabéticos. Aí os pesquisadores descobriram que apenas alguns meses depois de jejum periódico, a diabetes foi curada. Camundongos mutantes que desenvolvem diabetes sempre. Essa coisa que diz que o pôster pode causar diabetes conseguiu curar diabetes em camundongos mutantes.

Rodrigo Polesso: E está documentado.

Dr. Souto: Os camundongos perderam peso durante o jejum intermitente. Sim, como eles não perderiam? Eles estão comendo menos. Eles estão fazendo jejum. Aí ele diz assim, “O que ajudou, é claro. Mas essa não é a história toda.” Agora eu vou dizer uma coisa que vai chocar vocês que adquirem cultura através do UOL. Jejum periódico, na realidade, resolveu o problema diretamente em uma das suas fontes: o pâncreas. Mas, Rodrigo, o UOL não disse que jejum fazia mal para o pâncreas?

Rodrigo Polesso: Sim, foi o primeiro estudo a mostrar que o jejum intermitente pode danificar o pâncreas.

Dr. Souto: É o primeiro e o único. Isso deveria gerar suspeitas, e não admiração. Poxa vida… Onde está o ceticismo? Tinha que ter uma disciplina de ceticismo, pensamento crítico na escola. Então, vamos ver aqui… Diabetes é uma doença caracterizada por excesso de glicose no sangue. É um problema relacionado à insulina… Vamos ler aqui… No diabetes, muitas vezes a glicose permanece no sangue e as células não conseguem absorver essa glicose. Isso é parcialmente porque essas células perdem a sensibilidade à insulina, mas também porque o pâncreas diminui a produção de insulina. Resulta que um jejum periódico fez com que o pâncreas começasse a produzir insulina novamente. E eu estou falando de roedores. O estudo do UOL… O estudo este da USP que foi publicado em um pôster, falava também de roedores. Em humanos, está provado. Tem vários ensaios clínicos randomizados que mostram melhora de sensibilidade à insulina e perda de gordura visceral, de modo que eu estou fazendo podcast hoje só para veterinários. Porque em humanos isso não é discutido. Já está comprovado. Todo mundo sabe que jejum intermitente melhora a sensibilidade à insulina e produz perda de gordura visceral. Tem vários clínicos randomizados.

Rodrigo Polesso: Para quem está interessado em ratos…

Dr. Souto: Eu estou falando para os nossos amigos veterinários, porque eles merecem um episódio para eles. Então, vamos lá. Os dias de restrição alimentar deram ao pâncreas uma folga e permitiram ao pâncreas remover e reciclar algumas de suas células. Assim, quando os camundongos começam a comer novamente, essas foram capazes de produzir insulina novamente. De modo que… E aqui vem a parte crucial e talvez tenha sido esse o entendimento ruim do pessoal que publicou aquele pôster e quando eles forem tentar publicar o estudo numa revista, o revisor – o peer review – vai dizer isso aqui para eles e eles vão modificar o texto. Vão parar de chegar a essa conclusão que chegaram. Vou ler para vocês. Assim, o pâncreas, na realidade, encolheu durante os dias de restrição alimentar e cresceu novamente durante os dias alimentados. Depois de vários ciclos de encolhimento, reciclagem e recrescimento, o pâncreas estava praticamente como novo. Então, eles acharam… Esses pesquisadores do pôster, que as ilhotas terem encolhido era uma coisa ruim.

Rodrigo Polesso: Danificado.

Dr. Souto: Na realidade, faz parte do processo do jejum… Claro, fazer jejum continuamente vai levar a pessoa à morte, ou o camundongo à morte, então, o jejum é intermitente. Tão importante quando a parte de não comer do jejum é a parte de voltar a comer, porque é aí que ocorre a reciclagem das células, das organelas, enfim. O fato é que é esperado que as ilhotas encolham e aumentem. Eles acharam, o pessoal do pôster, talvez ingenuamente, que este encolhimento das ilhotas significava que as ilhotas iam desaparecer e o bicho ia ficar diabético. Mas os estudos publicados na literatura em revistas de alto impacto, na realidade mostram melhora de diabetes em roedores. Porque em seres humanos não se está discutindo, pessoal. Em seres humanos os estudos já mostram isso há tempo. Então, já que nós estamos hoje perdendo nosso tempo discutindo roedores, eu quero tranquilizar todos vocês que têm hamster, que têm rato, que tem camundongo em casa… Vocês que tem… Qual é o nome daquele bichinho que tem as orelhas caídas? Enfim… Vocês que gostam de roedores e têm eles em casa. Se eles fizeram jejum intermitente, vai ser bom para eles. Este pôster que foi publicado está equivocado. É isso que quero dizer para vocês.

Rodrigo Polesso: Equivocado é uma palavra boa. Mas eles podem falar o seguinte… Que no pôster eles usaram ratos saudáveis e não ratos obesos. Daí eles viram que diminuíram as células pancreáticas… Mas isso a gente já falou que não justifica porcaria nenhuma.

Dr. Souto: Então assim… O fato da vida é que existem vários ensaios clínicos randomizados de jejum intermitente em humanos mostrando melhora dos marcadores substitutos no que diz respeito à resistência à insulina, diabetes, fatores de risco cardiovascular. Eles são substitutos porque assim como no pôster sobre o qual as notícias correram o mundo, no pôster os ratos também não ficaram diabéticos. Eles estavam estudando marcadores. Então, em humanos, e em todos os outros roedores fora da USP, há uma melhora desses marcadores. Então, todo indicativo é no sentido de que faça bem. O que se discute hoje em dia… A discussão é no sentido… Será que o jejum intermitente é tão bom quando uma simples restrição calórica? Afinal, jejum intermitente implica algum grau de restrição calórica. Não estou comendo, pelo amor de Deus. Será que o benefício é da restrição calórica ou será que o benefício é específico do jejum intermitente? No podcast passado, nós tivemos essa discussão, né, Rodrigo?

Rodrigo Polesso: Com certeza.

Dr. Souto: Nós abordamos justamente um estudo em humanos de time restricted feeding, quer dizer, alimentação restrita no tempo. Aí eram pessoas que estavam fazendo uma janela de seis horas na alimentação focada no período da manhã para tentar alinhar com seu ritmo circadiano, comparado com outro grupo que estava comendo o mesmo número de calorias, porém distribuídas durante o dia. E o estudo mostrou que, em humanos, o jejum tem benefícios nestes mesmos fatores de risco que pioraram nos ratos da USP… E só nos da USP, porque eles melhoram em todos os outros roedores do mundo… Mas, em humanos, houve uma melhora específica do jejum, mesmo as calorias sendo iguais…

Rodrigo Polesso: Independente da perda de peso.

Dr. Souto: Independente da perda de peso, porque ela foi idêntica nos grupos. Então, na realidade, pessoal, assim… Eu tenho uma posição pessoal sobre isso. A gente já falou aqui algumas vezes. Eu acho que o jejum é uma ferramenta. Ele não é, necessariamente, obrigatório, e nem é o principal da intervenção que a gente propõe. Uma pessoa pode fazer uma alimentação low carb, pode fazer uma alimentação forte sem fazer nunca um jejum intermitente. Sem passar nunca um dia sem comer, ou mesmo 16 ou 18 horas sem comer… Se a pessoa se sente melhor comendo com mais frequência. E ela pode sim ter um monte de benefícios simplesmente por tirar alimentos processados, por tirar açúcar, por tirar farinha da sua alimentação. Eu acho que o jejum pertence à sintonia fina do processo. O que me irrita… É o motivo que a gente escolheu esse tema hoje… É a falta de pensamento crítico. Como que um jornalista que escreve numa seção de ciência de um portal, de uma revista, de um jornal não se dá conta de que se eu vou escrever um negócio que vai contra tudo o que os outros estudos mostram, vamos ver qual é o fundamento desse estudo. Foi publicado numa revista de reputação? Só aí já morreu. Não foi publicado. A coisa não foi publicada ainda. Segundo… Como isso se compara com os outros estudos em roedores? Os outros estudos em roedores mostram o contrário. Por fim. Como isso se compara com os estudos em humanos? Os estudos em humanos mostram o contrário. Aí o cara tem que se dar conta… “Olha, isso aqui não merece o espaço privilegiado que eu tenho aqui na imprensa. Vamos achar outro assunto.”

Rodrigo Polesso: É a sua reputação que está em jogo. Mas o mais preocupante é que a própria… É o que é. A própria líder do estudo disse… Extrapolou dizendo que esse é o primeiro estudo a mostrar que jejum intermitente pode realmente danificar o pâncreas e afetar a função da insulina em indivíduos saudáveis, normais. E aumentando o medo… O que poderia levar ao diabetes e certos problemas de saúde. Da onde que ela tirou essa informação?

Dr. Souto: Veja bem… Ser o primeiro, e o único, como eu disse, não é causa necessariamente de orgulho. Ela pode ser causa de preocupação.

Rodrigo Polesso: É de vergonha, nesse caso. É o único que está errado.

Dr. Souto: Eu não sei quantos aqui conhecem essa história. Provavelmente o pessoal da área das exatas conhece. Com certeza quem trabalha na área da física conhece. Mas anos atrás… Acho que nos anos 90 ainda… Saiu publicado um estudo de dois físicos que teriam conseguido fazer a fusão nuclear a frio. Fusão a frio. Se isso realmente fosse verdade, seria uma revolução. Seria a energia limpa que o país precisa. Ninguém precisaria mais de combustíveis fósseis. Ninguém precisaria mais de petróleo. Porque a fusão a frio significa você poder pegar a energia do… A mesma energia que faz o sol funcionar. Combinar hidrogênio, produzir hélio e a partir dali gerar quantidades ilimitadas de energia, porque afinal o hidrogênio tem na água. Qual é o grande problema da fusão nuclear? Atualmente, ela pode ser feita em laboratório, mas em temperaturas altíssimas, próximas justamente da temperatura do núcleo do sol.

Rodrigo Polesso: Precisa de muita energia, né?

Dr. Souto: Acaba-se colocando mais energia para produzir a fusão do que a energia que se consegue tirar dali. E esses caras disseram que eles tinham consegui produzir fusão a frio. E eles publicaram isso na revista Science, na época. Isso resultou em um escândalo depois, porque muitos outros pesquisadores tentaram e não conseguiram reproduzir. No fim houve a retratação desse estudo. Então, quando você propõe uma coisa que ninguém nunca conseguiu fazer e depois ninguém nunca consegue reproduzir, não significa que você merece um prêmio Nobel, significa, provavelmente, que seu estudo está errado. Mas pelo menos esses conseguiram botar o negócio na Science, que é uma revista peer review. A Science depois pediu desculpas. Mesmo a Science de vem em quanto comete erros desse tipo. Já este assunto que saiu na UOL, foi um P-Ô-S-T-E-R.

Rodrigo Polesso: Uma cartolina. Uma cartolina na parede.

Dr. Souto: Sabe quando vocês veem um cara de com cara de guri? Viajando, num avião, de terno e gravata, mas que certamente não tem mais que 20 anos, carregando um tubo nas costas? É aquilo. Ele está levando um pôster para ser apresentado num congresso. Eu sei que tem muitos grandes estudos científicos que começam sendo apresentados como pôster, e um ano depois são publicados em revistas. Quando eles forem publicados em revistas, a comunidade científica como um todo vai poder ler o material e métodos, ver se aquilo faz sentido, vai conseguir criticar aquilo ali. Não tem nem como criticar esse estudo, porque ele não foi publicado. Então por que nós estamos falando dele? Porque tem um monte de gente escrevendo para mim e para o Rodrigo desesperado porque sua mãe arquetípica disse, “ Eu não falei que era para sair com um casaquinho? Eu não disse que esse troço de jejum era uma loucura? Viu! Na TV diz que é para comer de 3 em 3 horas, está aí agora… olha aqui, vira a tela do computador, faz mal, vai te dar diabetes.” Então vocês veem a loucura disso, pessoal? Que nós estamos aqui debatendo um pôster? Um pôster em camundongos. Se esse pôster fosse verdade, seria importante para veterinários. E nós estamos aqui discutindo, perdendo tempo, ocupando seus ouvidinhos preciosos.

Rodrigo Polesso: Exatamente! De manhã eu separei um tempo para investigar isso como se fosse uma fonte séria de informação. Eu dei até esse prêmio à informação de investigar como se fosse algo sério e a nossa discussão aqui, inclusive, cobre isso. A hipótese de que isso fosse algo sério. A gente poderia já de cara desbaratinar e dizer que é um pôster. Mas a gente se deu ao respeito e ao nosso público de poder discutir um pouco mais a sério isso. Porque a gente ama vocês, pessoal!

Dr. Souto: Agora eu vou fazer, por fim, um teste. Vamos ver se eu consigo (estou fazendo ao vivo). Eu botei no PubMed o seguinte (em inglês): jejum intermitente e diabetes. E cliquei no filtro ensaios clínicos randomizados. Agora eu vou clicar no primeiro estudo da lista e vamos ver o que está escrito no resumo. De repente eu quebro a cara, não é? Então o título é: Os efeitos da restrição intermitente de energia versus a restrição contínua de energia no controle glicêmico do diabetes tipo 2. E agora eu vou baixar aqui e vou direto para a conclusão. Neste estudo piloto o jejum intermitente comparado com a restrição contínua de calorias resultou em melhoras similares do controle glicêmico e redução de peso, oferecendo uma alternativa razoável na estratégia de tratamento.

Rodrigo Polesso: Olha só!

Dr. Souto: Não era para eles terem ficado mais gordos?

Rodrigo Polesso: Parece que está alinhado com toda a outra evidência, não é?

Dr. Souto: Não era para ter aumentado a gordura visceral e não era para ter piorado o diabetes? Imagina, se causa diabetes, imagina em quem já é diabético! Imagina o quanto não vai piorar?

Rodrigo Polesso: Eu acho que está bem claro, dr. Souto.

Dr. Souto: O que eu quero dizer para vocês é o seguinte: uma coisa é preguiça. A outra coisa é a pessoa é a responsável por publicar uma sessão de ciência. A pessoa é responsável por publicar aquela sessão de ciência… Custa fazer o que eu acabei de fazer? Viu quanto tempo levou? É o tempinho de pegar ali e clicar… Eu fiz com a mão esquerda, eu estou segurando o telefone para gravar a nossa conversa aqui com a mão direita. Então com a mão esquerda eu fiz essa pesquisa. E levou menos de um minuto. Então a pessoa, pelo menos quando escrever textos, deveria dizer assim: “interessantemente esse estudo mostra resultados diferentes de outros estudos com roedores e, principalmente, os estudos em humanos parecem mostrar benefícios e não malefícios. Então, talvez mais estudos tenham que ser feitos…”. Escreve uma abobrinha qualquer, mas não faz isso, não copia o press release da Universidade e coloca direto sem crítica. Porque se é para colocar sem crítica, poxa vida, eu acho que daqui a pouco os portais podem economizar dinheiro, parar de pagar salário para essas pessoas e pedir para o porteiro do prédio escrever essa coluna.

Rodrigo Polesso: A falácia da autoridade também se aplica aí. O jornalista recebe um press release que tem o nome USP e tem Congresso Europeu de Tecnologia em seu nome, ele vai baixar a guarda e não vai verificar com o ceticismo necessário.

Dr. Souto: É duro!

Rodrigo Polesso: É duro!

Dr. Souto: Mas acho que valeu como um exercício para quem está nos ouvindo de pensar um pouquinho, em termos de pensamento crítico. Se eu tenho todo o resto da literatura mostrando uma coisa e um pôster mostra uma coisa diferente, todo o resto da literatura está errado? Ou eu tenho que pensar que talvez o pôster tenha algum problema?

Rodrigo Polesso: Exato! Eu tenho certeza que o pessoal vai curtir isso aí. Espalhem isso, pessoal! Espalhem! Isso é um exemplo que pode ser usado em vários tipos de estudos e manchetes que saem por aí sem pensamento crítico.

Dr. Souto: Até porque, provavelmente, semana que vem vai ter mais, não é, Rodrigo? Toda semana pinta alguma coisa!

Rodrigo Polesso: Para a nossa diversão sempre tem alguma coisa, mas é nosso prazer vir aqui te ajudar! Então tudo bem!

Dr. Souto: Eu acho que vale o ouvinte fazer o exercício por conta própria. Pensar assim: deixa eu fazer de conta que eu sou o Souto, o Polesso… deixa eu achar onde é que está o erro. Sabe o jogo dos sete erros? Não precisa ser que nem nesse aqui, que é o jogo dos incontáveis erros. Pode ser o jogo dos dois erros, pronto! Tente você mesmo antes da semana que vem, quando você ler a balela da próxima semana (porque toda semana tem), pensa assim: deixa eu tentar ver qual é o erro. É bom, porque aí você vai treinando as suas habilidades de pensamento crítico.

Rodrigo Polesso: Exatamente! Inclusive, muitas pessoas que mandaram a mensagem, já mandam assim: “Rodrigo, dá uma olhada nisso aqui, olha que absurdo! Eu sei que está errado, mas seria legal vocês comentarem no podcast.” As pessoas já sabem que tem grandes chances de estar errado. Então isso já é um começo nessa trajetória. Mas o que eu ia dizer é o seguinte, o caso de sucesso do dia, para a gente fechar com chave de ouro. E depois o que a gente comeu na última refeição. O caso de sucesso do dia vem da Nes. A Nes perdeu 16 kg. Ela falou: “Eu nunca pensei que poderia perder gordura sem sofrer o tempo todo. Isso sim é resultado.” Parabéns para a Nes! E adivinha: ela seguiu o programa Código Emagrecer de Vez, onde tem protocolos corretos dejejum intermitente, na hora certa, simplesmente porque é uma ferramenta poderosíssima de ser aplicada depois que você já tomou conta do mais importante. E tudo isso é guiado passo a passo. Se você tem interesse no Código Emagrecer de Vez é só você entrar CodigoEmagrecerDeVez.com.br. E agora chegou a hora da parte mais deliciosa do podcast que é, de fato, o que você comeu na última refeição. A gente está gravando de manhã no Brasil. Então, se é de manhã no Brasil, o dr. Souto deve ter comido algo no café ou na janta ontem. Então se você puder compartilhar…

Dr. Souto: Deixa eu pensar o que eu comi na janta ontem… Ontem eu comi frango assado. E só frango assado.

Rodrigo Polesso: Que maravilha!

Dr. Souto: Porque às vezes a coisa tem que ser simples. Como é que funciona para mim, Rodrigo? De manhã eu ou não como nada, ou como um iogurte com alguma coisa. No meio dia é a minha refeição principal. Até porque eu tenho uma pessoa que cozinha em casa, tenho uma cozinheira que faz comida. E ali eu como uma carne, um frango, um peixe, uma salada, enfim, comida de verdade. De noite, o que muitas vezes eu peço é para ela deixar alguma coisa pronta que eu possa assar, que eu só bote no forno. Porque a gente chega em casa cansado e não está afim de ficar… Para algumas pessoas cozinhar é um hobby. Eu invejo elas e gostaria de viver com elas! Mas, para mim cozinhar significa… é um tempo que eu não estou usando para fazer outras coisas. Então o que ela deixou? Um frango todo temperado já em uma travessa, só botar no forno, assar. Quando o cheirinho está ficando bom ali a gente tira e come. Então foi só isso.

Rodrigo Polesso: Que beleza. Minimalista, que maravilha! Eu também tenho cozinheira, se chama Rodrigo Polesso… Mas para mim é um pouco mais fácil…

Dr. Souto: Mas eu não quero viver contigo, Rodrigo. Desculpa!

Rodrigo Polesso: Você ia ter que entrar na dieta do fígado aqui, dr. Souto!

Dr. Souto: É, aquele tentáculo! Mostrou uma foto aquele dia.

Rodrigo Polesso: Eu gravei um vídeo no mercado noturno em Taipei. Um vídeo comendo várias coisas que eu achei lá e vou postar no canal do YouTube do Emagrecer de Vez assim que estiver pronto. Mas agora eu já migrei. Estou aqui na Coreia do Sul, aqui em Seul.

Dr. Souto: Não para!

Rodrigo Polesso: Não paro! E hoje eu tive a primeira janta que eu cozinhei no fogão do apartamento. Então eu fiz… eu comprei duas bistecas, dois bifes bonitos, aquele wagyu, marmorizado, coisa linda! E bacon. O bacon aqui é corte da barriga do porco. Não tem nitrito, nitrato, açúcar e o caramba a quatro, fumaça… Não. É o corte da barriga do porco. Você coloca sal em cima daquilo e fica uma delícia. Não sei para que encher de porcaria. E mais um… eu trouxe um souvenir, um ovo daqueles curtidos. Mas não de perdiz. Dessa vez foi um ovo de pato. Então eu comi isso aí do lado também, ovo de pato. Enfim, explorando aqui a culinária de uma forma minimalista também. Mas acabei de chegar, tem muita coisa pela frente, muito bicho e parte estranha para degustar aqui ainda nesse país. Eu vou mantendo o pessoal informado. No Instagram você pode me achar como @rodrigopolesso, o dr. Souto é @jcsouto. Siga a gente lá e se influencie positivamente com os hábitos. O dr. Souto pode ensinar o pessoal a colocar um frango no forno!

Dr. Souto: Teve uma época que eu morei nos Estados Unidos e lá eu tinha um amigo coreano. E ele me dizia, com muita saudade, que uma das coisas que ele gostava de comer eram uns tentáculos de lula que eram cortados com a lula ainda viva e a graça era sentir ele se mexendo dentro da garganta.

Rodrigo Polesso: Cara, acredita que eu vi isso em um vídeo do YouTube ontem? Eu estava procurando o que fazer e tinha um cara que foi no mercado municipal e fez justamente isso. Parece que você escolhe o polvo em um aquário e vai para a mesa sentar. E os caras dizem que cozinham. O cara falou: o polvo está morto, mas está se mexendo. Eu falei: cara, esse tipo de comportamento não acontece normalmente, não é? Está morto, mas está se mexendo.

Dr. Souto: É estranho! Enfim, ele me descreveu isso na época e eu fiquei horrorizado na época. Eu continuo horrorizado, mas enfim, acho que é uma coisa bem paleo.

Rodrigo Polesso: É meio forte demais para ser alimentação forte. É um pouco além da minha zona de conforto também.

Dr. Souto: Alimentação extra forte.

Rodrigo Polesso: Extra forte, só para os mais fortes mesmo. Maravilha, pessoal. Então esse podcast ficou recheado. Espero que tenha sido útil para vocês turbinar o senso crítico e se proteger das balelas que chovem sobre as nossas cabeças todos os dias. Não é verdade? E se você quer se tornar um membro da Tribo Forte e apoiar essa causa, vestir a camisa, entra aí: TriboForte.com.br. Você tem acesso ao portal privilegiado, também faz parte de tudo isso e leva esse movimento para frente. Todos nós unidos com essa energia positiva, em nome da verdade científica. Dr. Souto, obrigado pela diversão de hoje. A gente se fala na próxima semana!

Dr. Souto: Obrigado. Um abraço e até a próxima!